O juiz Ivo Rosa decidiu adiar o momento de decidir se os arguidos da Operação Marquês vão submeter-se à decisão do tribunal. Decidi analisar esta decisão sobre o adiamento da decisão acerca da submissão dos arguidos a uma decisão e fiquei indeciso. Por um lado, parece-me nocivo; por outro, parece-me sensato. Ainda não decidi, o que acaba por ser apropriado. O processo Marquês começou em 2014 e ainda não sabemos se os arguidos vão a tribunal. Na comunicação em que anunciou a decisão de adiar a decisão, Ivo Rosa explicou que vai ter de analisar as provas existentes nos autos. Só segmentos de factos são 14 084. Eu, que sou um rústico, não sei o que são segmentos de factos, mas imagino que cada um leve, pelo menos, um minuto a analisar. Por muito segmentados que estejam, devem manter alguma factualidade, que é sempre complexa. São, por isso, 235 horas de trabalho dedicadas a segmentos de factos. Quanto a intercepções telefónicas, só relativas aos 449 dias em que Sócrates esteve sob escuta, há 8 199 horas de telefonemas para ouvir. Mas há mais 27 arguidos. E os 18 volumes do relatório final do órgão de polícia criminal têm 5 959 páginas. Mesmo dedicando a cada página apenas dois minutos (em princípio é um documento que se lê com alguma voracidade, como os romances policiais), são cerca de 200 horas de leitura. Depois há os 146 volumes do processo principal, com 56 238 folhas (1 900 horas de leitura), e 480 apensos bancários, com 77 329 folhas. Como devem ser mais aborrecidos, talvez o juiz não tenha paciência para dedicar mais do que apenas 30 segundos a cada um, e em 644 horas de trabalho estarão despachados. Há que ouvir ainda cerca de 425 horas de interrogatórios e mais 322 horas de testemunhos na fase de inquérito. Deixei de fora vários milhares de apensos a que o juiz, se for como eu na altura dos exames, dará apenas uma vista de olhos. Somando tudo, temos então que Ivo Rosa tem pela frente cerca de 12 000 horas de trabalho. Se o juiz trabalhar 8 horas por dia, incluindo ao fim-de-semana, e nunca meter férias, dentro de cerca de quatro anos terá concluído a tarefa. Mais um mês para ponderar no que leu e ouviu e, em princípio, teremos uma decisão em 2024. Lá para Setembro. A seguir, se o juiz decidir pronunciar os arguidos, começará então o julgamento. Que, em princípio, durará vários anos. Há várias lições a tirar daqui. Primeiro, que, a cometer crimes, devemos optar pelos complexos. Pequenos furtos e homicídios simples não compensam, porque são fáceis de deslindar. Segundo, que aos 46 anos estou numa fase da vida em que, se cometer um crime complexo, em princípio já não terei esperança de vida suficiente para ir a julgamento. Quem tiver ideias para falcatruas complicadas fale comigo, porque estou disponível.
(Opinião publicada na VISÃO 1429 de 23 de julho)