O problema de tentar perceber a verdadeira gravidade do coronavírus é a pandemia de pandemias a que temos assistido. Dura há décadas. A doença das vacas loucas ia transformar o cérebro da Humanidade numa papa esponjosa. Acabou por não acontecer. Ninguém nega que haja um ou outro cérebro feito em papa, como algumas decisões recentes da Humanidade parecem revelar, mas a carne de vaca, em princípio, tem menos responsabilidades no assunto do que os smartphones e as redes sociais. Depois, a nova peste negra era a gripe suína. Também foi falso alarme. A seguir, veio a gripe das aves. Nova desilusão para quem esperava o fim do mundo. Agora há o coronavírus e é difícil perceber se o alarme é justificado ou não. Sinto que já fui vítima de várias burlas. Primeiro, evitei a carne de vaca; depois, investi nos frasquinhos de “sanitizador manual”, e usei demasiadas vezes a expressão “sanitizador manual” (até porque uma vez já são demasiadas vezes); e agora pondero ir comprar as máscaras. Que fazer? Arriscar contrair o vírus ou fazer novamente figura de parvo a prevenir uma pandemia que nunca chega? Cada pandemia traz a sua proposta comercial, o que é evidentemente suspeito. Começa a ser difícil acreditar que cada uma destas pandemias não é mais do que um novo modelo de gripe, em que o estilista muda dois ou três pormenores, de inverno para inverno, e depois a comunicação social assusta-se e chama-lhe pandemia. Se, finalmente, for uma perigosa pandemia, deixem-me anunciar antes de toda a gente que ocorrerá outra pandemia: a das pessoas que se referem à história de Pedro e o lobo quando querem aludir à fábula do rapaz que gritou “lobo”. “Pedro e o lobo” é a história do Prokofiev, em que o Pedro não engana qualquer aldeão com falsos alarmes (até porque Pedro é um jovem pioneiro soviético, e eles não burlam ninguém, muito menos o campesinato). “O rapaz que gritou lobo”, sim, é a fábula do Esopo em que um rapaz se diverte a lançar falsos alarmes até ao dia em que o alarme é verdadeiro e o lobo o devora porque ninguém o socorre. É mais uma pandemia para a qual não há vacina. Nem sanitizador manual que a previna. Nem máscara. Só, talvez, uma mordaça.
(Opinião publicada na VISÃO 1408 de 27 de fevereiro)