Quando o Expresso noticiou que tinham desaparecido 170 obras da colecção de arte do Estado, fiquei empolgado. Gosto muito de simetrias – e esta, ocorrendo no mundo da arte, é, por isso, especialmente artística. O que se passa é o seguinte: os quadros da colecção Berardo, sabemos onde estão mas não são nossos; estes são nossos mas nós não sabemos onde estão. O que levanta um problema filosófico interessante: é melhor possuir obras que, na prática, não existem ou não possuir, na prática, quadros que existem? É muito importante que o Ministério da Cultura possa estimular debates como este. Até para nós termos alguma coisa para fazer enquanto não vemos quadros nenhuns.
Não satisfeita com esta intrincada discussão, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, resolveu lançar outra. Questionada sobre as obras, negou que estivessem desaparecidas. Precisam é de localização mais exacta, disse. Deve ser desagradável assistir a espectáculos de magia na companhia da ministra da Cultura. O ilusionista esforça-se para fazer desaparecer um elefante. O público aplaude, impressionado. Graça Fonseca levanta-se e diz: calma, que o elefante não está desaparecido. Precisa é de localização mais exacta. É uma relativização da ideia de desaparecimento que merece estudo atento. O que é, ao certo, desaparecer? A menos que a coisa desaparecida se pulverize, de facto ela não desaparece. Mantém-se presente, embora longe da nossa vista. Mesmo a ministra não foi tão radical quanto poderia ter sido. Na verdade, os quadros não precisam de uma localização mais exacta. Eles já se encontram numa localização, e mais exacta não pode ser. Nós é que não sabemos qual é. Esta nova perspectiva abre possibilidades museológicas infinitas. Portugal pode ter o melhor museu do mundo. Imaginem um barracão vazio. Os visitantes entram e contemplam as paredes nuas. Uns, intelectualmente limitados, saem convencidos de que não viram quadros nenhuns. Mas os mais espertos percebem que acabaram de ver muitos quadros que precisam de localização mais exacta.
(Crónica publicada na VISÃO 1370 de 6 de junho)