Dez
Muitos já tinham partido. A alegria dos que sobravam ainda enchia o Clube de gargalhadas, música, dança. De esperança que é o que melhor rima com dança. Já falei da minha última festa de passagem de ano em Luanda, mas o mais importante é quase sempre o que fica por contar, o que não consigo contar. Não é que não queira ou que não saiba as palavras para o fazer, mas esta ilusão comunicante esconde mal a certeza de que a vida acontece entre as palavras. As palavras lavam a realidade (lavam ou lavram). Por isso não paro de regressar aos recantos que não desistem de mim, que, ecoantes, me chamam, uma demente sobressaltada com a lembrança de que se esqueceu do que não se lembra que se esqueceu. Havia uma mulher solitária, recortada na noite da varanda do Clube, a fumar cigarrilha, a olhar para longe dali. Esperança, a palavra que melhor rima com dança. Queres dançar comigo? Quero. É disso que se trata. É sempre disso que se trata. Mas… Como fazer para não se dançar só a dois? Desprende-te, já não é obrigatório dançar-se a pares, todos os corpos ondeiam feitos um só, ouve a música, deixa-a foçar em ti como um animal em reconhecimento de um corpo que não lhe resiste, entrega-te, esquece-te de que talvez estejas no meio da sala. Podes fechar os olhos. Mas… Se me solto, como faço para que me agarrem? Quero sentir-me ligada, sentir os outros perto de mim. É disso que se trata. É sempre disso que se trata. Disso e de voltar para casa.