Como desejei ter idade para ir à escola! O meu mais acalentado sonho nos primeiros anos de vida era o de transpor o portão do colégio João de Deus ao lado dos outros miúdos do bairro, os grandes. A pressa que eu tinha de ser como eles! Seis anos e três meses, e lá fui eu.
Ao fim de 15 dias fechada numa sala a repetir o abecedário e a cantar a tabuada, a olhar para o crucifixo pendurado na parede, para os mapas da Metrópole, para a fotografia do Salazar, ao fim de 15 dias receosa de apanhar uma caniçada ou levar uma dúzia de reguadas, declarei pomposamente ao chegar a casa, Já aprendi tudo, não preciso de voltar à escola. O meu pai fingiu concordar, se eu já sabia o que precisava para ser advogada, a profissão que ele decidira para mim, estava por minha conta e não se falava mais nisso. Revoltada, usei vários truques para faltar às aulas, fingi-me doente, sujei a bata de lama, escondi-me dentro do embondeiro, mas os castigos da minha mãe e as ameaças do meu pai acabaram por levar a melhor. Passei os três anos seguintes a repetir cinco vezes as palavras difíceis, a resolver os problemas do agricultor que tinha 300 ovelhas apreçadas em 250 escudos e que as queria trocar por cavalos, sendo que cada cavalo tinha o preço de…, a recitar listas de linhas de caminho de ferro e de rios da Metrópole, a cantar hinos ao Império, a fazer ginástica ao sábado de manhã com os ridículos quedes brancos, até que cheguei à quarta classe e à professora Maria de Jesus.