Era um fim de tarde de verão, a luz a desvanecer, o vento manso, a noite demorada,
pelo menos é assim que recordo,
eu tinha chegado há pouco da praia, os cabelos enriçados pelo sal, a pele amorenada, os calções esfiapados, os chinelos gastos, o corpo feliz. Estava como sempre na pequena varanda da minha casa a ver a vida, pequenina e monótona, passar lá em baixo. Miúdos jogavam à bola no asfalto, mulheres passeavam os seus bebés em carrinhos desengonçados, crianças faziam uma roda junto dos canteiros, homens jogavam à sueca num tronco cortado de árvore, jovens ouviam música em carros parados com as portas escancaradas, de quando em quando os roncos dos motoqueiros rasgavam a indolência do bairro ou então alguém se desentendia numa zaragata breve. O meu prédio formava um L com o prédio ao lado, fazendo com que as respetivas varandas se visitassem. Para lá da varanda ao nível da minha, no sétimo andar do Lote A, vivia a Silvana, um mulherão sobre quem corriam histórias e mais histórias,
tinha sangue azul, o pai era um nobre inglês que se apaixonara por Moçambique e por lá ficara a emprenhar as mais lindas africanas,
em jovem fora uma das modelos mais requisitadas em Lourenço Marques, o seu belo e imponente corpo fizera capas e capas de revistas,
detestava as lides domésticas e a vida de casada,
só aceitara o marido,
houvera pelo menos outros dois antes deste,
depois de ele ter concordado que ela poderia ter os amantes que quisesse,
gostava de ir engatar para os lados do Guincho, na beira da longa e escura estrada, as mulheres protegiam-se debaixo dos pinheiros dobrados pelo vento,
o marido chegava a esperar à porta do prédio que os homens saíssem.
Também se dizia que não hesitava em despir a camisa para ajudar um pobre, que não tinha medo de nada, que era – apesar de tudo – uma boa mãe.