Prefiro praias de cidade. A melhor praia do mundo é a Praia de Gondarém, na cidade do Porto. Tem água fria, cristalina e norte-atlântica (a melhor do mundo) e por trás tem prédios, dia a dia, civilização, lojas de sapatos, bancos, um velho centro comercial. Prefiro praias de cidade. Barcelona, Rio de Janeiro. Mas essas não são tão limpas assim. A melhor praia do mundo é a Praia de Gondarém, a minha. Vou à praia como quem vai à casa de banho, num gesto utilitário, prático, de satisfação de uma necessidade básica. Vou à praia por entremeio de outra coisa qualquer, num breve intervalo, faz parte do meu dia a dia, como um descaminho a que me permito. Não vou à praia como finalidade em si, como quem “vai para a praia” de paravento, toalha e livro. As praias selvagens com vegetação virgem por trás oprimem-me a alma. Gosto mais de praias com pombas do que praias com gaivotas. Prefiro praia de cidade e a Praia de Gondarém é a melhor praia do mundo.
Tenho medo de poesia e de poetas. Oprime-me a alma todo o linguajar exclusivo de alguma classe. E isso existe: os poetas, assim como um todo, de uma forma abstrata. Gosto das palavras do dia a dia, as palavras das conversas, os substantivos, verbos e advérbios com que uma pessoa vai à mercearia. Não gosto das palavras dos poetas, provocam-me medo. Não sei com que voz é que se lê um poema. Gosto das canções populares porque sei com que voz é que se entende as palavras que lá vêm: é com a voz do cantor, com essa melodia. Mas não gosto de muitas das palavras das canções populares porque muitas vezes parecem as palavras dos poemas, e então eu já não gosto, fico com uma certa angústia que se assemelha ao medo. Por exemplo, quando as palavras de uma música são “o cansaço que há em mim”. Inventei agora, mas às vezes as canções dizem coisas destas, “não-sei-quê em mim”. Não são palavras normais, de idas à mercearia. “Queira 200 g de fiambre e saiba que hoje sinto um certo cansaço em mim”. Em mim? Gosto das canções quando dizem coisas como “the lights of the city look so good, almost like I thought they would”, ou então “se fizer bom tempo amanhã, se fizer bom tempo amanhã, eu vou. Mas se por exemplo chover, mas se por exemplo chover, não vou”.
Gosto de centro comerciais, estações de serviço de autoestradas, gosto de entrar em igrejas antigas de outras cidades, gosto de entrar nos quartos de banho dos hotéis pela primeira vez e inspecionar os sabonetes e as toucas, gosto de andar de comboio e não gosto de conversas de house party, não gosto muito de filmes nem de ir a programas de televisão. Gosto muito da minha família e de estarmos todos em casa, de preferência sem grandes coisas para fazer.
(Opinião publicada na VISÃO 1416 de 23 de abril)