Há toda uma panóplia de profissionais que, por particularidades próprias das suas profissões, provavelmente pela palavra, pela prosa, pela prosódia, pela pose, pela pompa, provocam em mim pronto e palpável pânico. Não posso precisar propriamente porquê, mas todas principiam por pê. Padres, palhaços, polícias, poetas, prostitutas, professores e políticos. Pode um profissional provocar penoso e purgante pânico? Pode.
Todas estas pessoas falam de acordo com o modo de falar que, por qualquer razão, se convencionou como o modo de falar dessa profissão. Talvez seja por isso. Ou talvez seja da farda, do hábito. Não só o hábito faz o monge, mas também. Padres: eu tenho muitos amigos padres. Sou frequentador do catolicismo. Participo em palestras, conversas, missas, encontros, retiros, práticas diversas. Por força de não me ser possível, de maneira nenhuma e sob qualquer pretexto conceber como plausíveis regressos físicos à vida e nascimentos concebidos sem a devida mácula, senão como sendo meras metáforas, julgo que não poderei considerar-me cristão sequer, quanto mais católico. Mas é na filosofia cristã que encontro o sentido da vida e por isso sou um frequentador. Por se tratar de uma religião acolhedora, sinto-me aceite mesmo assim. Nesta minha jornada de não-cristão-praticante, fiquei amigo de muitos padres. Mas nunca daqueles que falam à padre. Esses provocam-me um medo irracional. O meu cérebro defende-se e eu não acompanho. Sou absolutamente incapaz de acompanhar o monólogo de um padre que fale à padre. Morro de medo que um desses padres que falam à padre olhe para mim e me faça alguma pergunta. Não ouço senão um balbuciar monocórdico semelhante ao da professora do Charlie Brown. De palhaços, julgo que nem vale a pena gastar caracteres. Estes textos têm um limite e, além disso, quem não tiver pânico de palhaços não chegou até este ponto do texto, por total ausência de afinidade com qualquer pensamento que venha de mim. Os polícias, Deus Nosso Senhor os abençoe, sempre provocaram em mim o estado de espírito absolutamente oposto àquele que justifica a existência da sua profissão. Paz, ordem, calma e segurança é precisamente tudo aquilo que não sinto quando me é solicitada identificação e documentos da viatura. A maneira de falar, a escolha de vocábulos, o léxico, a prosódia. Mergulho de imediato em pânico irracional, penso automaticamente que me há de faltar qualquer selo, carimbo ou guia que me vai atirar para Custóias. Os poetas falam à poeta, seja na RTP2 ou na fila do supermercado, vestem–se conforme os poetas se vestem, colocam a voz à Natália Correia e os meus batimentos cardíacos por minuto duplicam. Morrem afogados em lagos. Metem-me medo. As prostitutas, ao trocarem gratificação sexual por gratificação pecuniária perpetuam, para mim, o negócio menos erótico da história do mundo, pois onde há pânico não há condições. Professoras e professores vestem–se de forma bastante docente. São identificáveis em qualquer contexto, centro comercial ou esplanada. Guiam automóveis e fumam cigarros exclusivos da classe. Temo-os à légua. Tive muitos, todos temi. Os políticos também se destacam da multidão. Dizem “demagogia”, “povo” e “sistema nacional de saúde” com uma propriedade que é só deles. Um deputado a ler o manual de instruções de um eletrodoméstico é identificável à primeira sílaba, independentemente da sua cor política. Já apertei algumas doutas mãos e um político não cumprimenta, saúda. Sinto-me sempre saudado, o que me retira bastante saúde, dado que o pânico é inimigo da mesma.
(Crónica publicada na VISÃO 1408 de 27 de fevereiro)