A quinze de fevereiro de 2015, a Beatriz Gosta apresentou-se ao mundo. A proposta era arriscada. Criar um canal de YouTube de humor feminista, sem filtros, escatológico, sobre sexo, boémia, relações y otras cositas más, num país ainda muito conservador e demasiado castrador da(s) liberdade(s) feminina(s). Apesar de algum receio de reações mais negativas, foi um êxito estrondoso! Toda a gente se apaixonou pela Beatriz, pelas suas histórias, pela sua linguagem própria e pelo seu humor particular (a que ela gosta de chamar “o seu jeitinho de ser”). A partir desse dia foi-se desdobrando em vários formatos, rindo de tudo e de todos, dela própria acima de tudo.
Antes dessa estreia suada, muitos anos de hesitações e inseguranças foram arrastando o parto. A Beatriz, derivando diretamente da Marta (corpo, alma e voz que dão vida à personagem), necessitava da sua coragem. A exposição seria grande, nunca ninguém saberia onde é que a realidade se cruza com a ficção nas suas narrativas rebuscadas e hilariantes, e as câmaras intimidam sempre muito. Apesar do medo, a Marta tinha muita vontade. E a ideia, que havia nascido duma conversa entre nós, foi ganhando contornos mais definidos e um nome que tinha tudo para dar sorte.
Eu andava a ler a biografia da atriz Beatriz Costa e, a cada página, encontrava muitas semelhanças com a minha amiga. Ambas eram de um humor ligeiramente brejeiro (no melhor dos sentidos), ambas eram muito portuguesas mas com trejeitos abrasileirados na linguagem, ambas eram muito namoradeiras e apreciadoras do género masculino, ambas eram pequenas, morenas e roliças, com o ar castiço que desmonta a sensualidade em graça, e ambas eram devotamente boémias. Tão confortáveis no bailarico como nas tertúlias. Amadas por populares e intelectuais. Beatrizes as duas, mas esta, em vez de Costa ficou Gosta, em alusão aos likes das redes sociais.
Faltava só uma equipa que tornasse a coisa possível, mas como boas ideias atraem bons amigos, o André, o Vasco, o Vítor e o Pedro juntaram–se à causa, para criar a primeira temporada. Com os anos, novas equipas se sucederam, mas só depois do YouTube, da rádio, da televisão e das redes sociais, e por estes dias, finalmente, é que a Beatriz se estreou no palco, num stand-up em nome próprio. Foi uma vitória! Não apenas pelo êxito dos bilhetes vendidos e das salas esgotadas, mas porque, para a Beatriz chegar ao palco, a Marta teve de transformar o seu Humor-Próprio em Amor-Próprio. Superando o medo, a ansiedade, as insónias e, sobretudo, os desarranjos intestinais.
O público, devoto, riu, aplaudiu e participou, rendido a uma contadora de histórias desenvolta e castiça, que pode dizer tudo, porque ri primeiro de si, improvisando sempre muito, num espetáculo que é evolutivo e diferente a cada dia. E lá estava eu, orgulhosa, na plateia do Teatro Sá da Bandeira, num misto de missão-cumprida com agora-é-que-isto-começa-de-verdade. Nervosa por ela e muito feliz por ter assistido a todo o percurso. Desde quando era só uma das ideias mirabolantes do meu otimismo sagitariano. Em águas de bacalhau por alguns anos, até ganhar equipa e fazer-se realidade. Depois, a sua profissionalização progressiva (e o trabalho que deu convencê-la a largar o emprego). Para chegar o dia em que volta a ser o que foi sempre – a Marta – rodeada de gente – a contar as suas histórias – com o seu jeitinho de ser.
Quem a conhece bem sabe que a sua graça é ainda mais engraçada no entusiasmo do momento, ao vivo e a cores. Sabe que ela gosta de gente. E que espalhar alegria é a sua disciplina. A única diferença é que a partir de agora, ao serão, não estaremos só nós (os amigos) a ouvi-la. E tenho a certeza de que as salas serão cada vez maiores, porque o talento é todo dela e o seu lema não podia ter-se revelado mais apropriado: #quemacreditavai!
(Crónica publicada na VISÃO 1387 de 3 de outubro)