Ela procurou por todo o lado.
Levantou as almofadas do sofá e enfiou a mão na fenda por onde desaparece o comando da televisão, mas só encontrou uma moeda de vinte cêntimos e uns fiapos de cotão. Procurou por baixo do sofá, levantou o tapete, vasculhou todas as latas e caixinhas onde moram as pilhas, os porta-chaves e os passes antigos. Inspecionou a caixa de costura, mas nem depois de se picar numa agulha traiçoeira e de chacoalhar o frasco dos botões, encontrou o que procurava.
Passou à estante. Folheou livros, revistas, guias turísticos. Verificou bem, para ter a certeza de que não estava por entre páginas, perdido. Procurou também na pasta das faturas, nos envelopes, nas cartas. Procurou nos cadernos e blocos de notas, na agenda e até nos papelinhos amarelos que tem colados em redor da escrivaninha. Só uma lista de compras, nada mais.
No álbum das fotografias também não estava, mas ainda assim apreciou as fotos dos Carnavais da infância, com as fatiotas feitas pela mãe e os olhos brilhantes, febris das viroses de inverno.
Procurou nas gavetas. No meio das meias, dos pijamas, da roupa de desporto. Procurou na caixa das bijuterias, na gaveta da casa de banho e no nécessaire, mas só encontrou as coisas de todos os dias e um creme que comprou por impulso e de que nunca chegou a gostar.
Passou à cozinha, mas não estava. Não havia nada no frigorífico além do necessário à sobrevivência e não seria no armário dos tupperwares, onde as tampas se perdem para sempre, que iria encontrar alguma coisa. Fez um chá, procurou na janela de olhar perdido, parou para regar as plantas da varanda e até teve esperança de o encontrar ali, algures, entre o aloé vera e o abacateiro, que fez nascer de um caroço e que já pede transplante. Nada.
Voltou ao quarto, levantou os lençóis e procurou na frincha entre o colchão e a madeira da cama, onde costuma perder a meia do pé esquerdo. Não encontrou. Nem as meias, que parecem ter caído no buraco-negro-dos-pés-gelados, nem aquilo de que tanto precisava. Voltou-se para o espelho e, pelo sim pelo não, confirmou se não estaria na cabeça, como tantas vezes acontece com os óculos das pessoas que só veem mal ao perto. Não estava.
Passou o dedo rápido no ecrã do telemóvel, fez scroll down no Instagram, depois no Facebook e finalmente no Twitter. Abriu o email, apagou o spam. Espreitou os sites de notícias, respondeu a algumas mensagens no WhatsApp. Bocejou. Não seria naquela rotina automatizada, de contacto com as trivialidades do mundo e da vida alheia, que encontraria o que procurava e sentiu até que, pelo contrário, essa busca entediada pela novidade só a afastava ainda mais do que era realmente importante encontrar.
Frustrada e farta da busca inglória, decidiu sair de casa. Passeou nas ruas. Sentou-se em vários bancos de jardim. Mesas de café. Salas de espera de consultórios. Barbearias e paragens de autocarro. Desceu até à estação de comboio e procurou nos abraços de despedida no cais, no meio das multidões apressadas, nas conversas alheias, nas histórias inventadas que imaginou para a vida de quem passava. E até no formato das nuvens, na ameaça de chuva, nos pássaros, sempre em busca de algum indício que pudesse apontar-lhe um caminho para chegar ao que procurava. O ócio! Pensou. Talvez um banho quente, uma soneca, uma aula de yoga, pudessem ajudá-la. Toda a gente sabe que deixar de procurar é, muitas vezes, a forma mais eficaz de achar o que se procura e que a ansiedade da busca é sempre contraproducente. Fez um esforço para relaxar. (E fazer esforço para relaxar é bem capaz de ser um dos paradoxos mais recorrentes do nosso tempo). Experimentou a meditação. Não deu. Respirar é mais fácil quando não se pensa muito nisso.
Estava cansada. Sobretudo de procurar. Depois de tanta busca era claríssimo: o tema da próxima crónica não estava em lado nenhum! Decidiu ir de férias.
(Crónica publicada na VISÃO 1385 de 19 de setembro)