Mário Crespo inicia o Jornal das Nove com a notícia sobre os incidentes entre jovens precários e seguranças numa iniciativa do PS, em Viseu. Diz Crespo: “Quem se mete com o PS, leva!”. Gostava de saber o que acontece a quem se mete com Crespo, mas entretanto já lá está a convidada da noite, Laurinda Alves.
Laurinda diz que concorda com os jovens da “geração à rasca” que interromperam a iniciativa socialista e foram expulsos.
Ela e Crespo falam de direitos disto e liberdades daquilo. Nada mais é para ali chamado e concordam em quase tudo. Percebemos depois que Laurinda tem um livro novo, resultado de uma conversa com um padre jesuíta sugestivamente intitulada “Ouvir, Falar, Amar”. Pensei: os tempos estão complicados, mas se a solução for mais espiritual do que “etc e tal”, Júlia Roberts já temos.
A geração “à rasca” tem, pois, a solidariedade de Crespo e Laurinda. E tem também duas canções: uma do grupo Deolinda outra dos humoristas Homens da Luta, vencedores do Festival da Canção. Se a primeira dá uma bandeira e um refrão inteligente aos protestos dos jovens precários, a segunda cantiga introduz a componente Quim Barreiros que caricatura e graceja com imaginários revolucionários, usando as armas do “inimigo”: o ridículo, o estereótipo e o preconceito.
Podemos rir. E rimos. Não imaginam a quantidade de coisas que me fazem rir hoje em dia. Mas a causa é séria. Falamos de uma geração e de jovens para os quais o que há de mais seguro na vida é… precário. A onda de contestação começou no “passa-palavra” e nas redes sociais. Chegou às canções, às conferências, aos comentadores e à rua. Ganhou impulso e dinâmica. Mas a responsabilidade e a dignidade com que se vai na onda, contam. E pode dizer muito sobre o futuro da onda.
Os dilemas são vários.
Desde logo, parece-me um erro olhar a geração dos “recibos verdes” como uma massa uniforme. Não é. Juntam-se ali várias posturas, reivindicações e propostas. Umas estimáveis, outras menos. É sensato que as diferenças se esbatam em nome de um bem maior ou de um objetivo comum. Com criatividade e irreverência, como não? Mas a fronteira é ténue: quanto mais a “geração à rasca” transformar a sua mensagem num corso carnavalesco, mais à rasca ficará depois disto.
A história ensina-nos. Se quisermos aprender, claro.
Basta recuar a 1975: nem tudo o que se disse e fez à esquerda serviu a esquerda. E o 25 de Abril. Bem pelo contrário. Sabemos como acabou o que parecia ser uma causa de todos. Se o exemplo não chega, faça-se outro exercício de memória: onde estão, o que pensam e que cargos ocupam muitas das mais inflamadas figuras e protagonistas daquele tempo? Excessos de juventude, dirão…
Se o objetivo for o ridículo pelo ridículo ou a anedota pela anedota, há armas melhores. Vide o fenómeno José Manuel Coelho ou leia-se “A Violência e o Escárnio” de Albert Cossery. Está lá tudo como num manual de combate.
Acontece que o dilema maior desta geração a quem armadilharam o presente e se preparam para roubar o futuro é este: querem ficar para a História como Deolindos – como jocosa e pachorrentamente já lhes chamou Miguel Sousa Tavares na SIC – ou tomar em mãos o futuro e tentar fazer História?
Posso estar enganado – afinal tenho 40 anos e vou a caminho do cinismo – mas parece-me que as causas da geração precária só serão verdadeiramente consequentes – e, se calhar, irreversíveis – se as outras gerações forem convencidas de que estas lutas também lhe dizem respeito. No trabalho, em casa e na rua.
Há exemplos ilustrados e recentes por esse mundo fora em que talvez fosse sensato meditar. Caso contrário, por aqui só restará a memória e a banda sonora do que podia ter sido e, mais uma vez, não foi.