Esta semana, o Ministério da Educação deixou cair uma reforma importante para a qualidade do ensino público: descentralizar o recrutamento dos professores. Entregar poder de decisão às direções escolares, que conhecem as necessidades locais, permitiria colocar docentes com perfis mais adequados à realidade de cada escola e região. Também melhoraria a vida e a carreira dos professores, oferecendo estabilidade. Se assim é, porque terão os sindicatos recusado a proposta do ministro?
A Educação é, no campo das políticas públicas, talvez a primeira prioridade de um país evoluído: é a base primordial da igualdade, da cidadania, da sustentabilidade e do crescimento económico. Entre o 25 de abril de 1974 e hoje, Portugal fez um percurso notável a este nível. Nas palavras do diretor de Educação e Competências da OCDE, Andreas Schleicher, “Portugal é a maior história de sucesso da Europa” no PISA [teste de referência para comparação internacional do progresso educativo]”. A centralização da estratégia para a Educação foi crucial no sprint pós-revolução para alfabetizar o país, promover o acesso básico e apanhar o comboio da Europa, num país que o Estado Novo mergulhara no obscurantismo. Foi fundamental e funcionou.
Hoje, no entanto, centralizar num gabinete a tomada de decisão sobre questões locais não serve a diversidade do país, nem a excelência de um serviço público moderno. Felizmente, aliás, porque é sinal do progresso. A educação em Portugal evoluiu de uma questão de acesso para uma questão de qualidade.
E, aqui, há dados inquietantes: em 2021, um em cada cinco alunos estudava em colégios privados. O peso do ensino pago no sistema educativo português é dos mais altos da Europa. Cada vez mais estudantes têm explicações extra-escola. Os dados indicam que 1) o ensino privado é considerado melhor, levando muitas famílias a matricular aí os filhos, com enorme esforço e 2) a escola pública não está a responder às necessidades dos alunos. Se a preparação dos jovens para o futuro continua a depender do orçamento familiar, o sistema está a falhar.
Descentralizar o recrutamento de professores é essencial à missão da escola pública. Num bairro problemático lisboeta, ou numa aldeia em Beja, os alunos têm necessidades diferentes. Logicamente, os perfis dos professores devem corresponder. A colocação aleatória, que considera apenas a nota final de curso (muitas vezes tirado há 30 anos) e o tempo de carreira, não faz sentido. Os alunos precisam de professores adequados ao seu contexto e os professores têm direito à especialização. No sistema atual, um docente que invista em formação complementar, que escreva uma tese sobre determinado contexto ou comunidade, vê essa sua mais-valia ignorada no momento da colocação. Defendo a autonomia das escolas para formar as suas equipas e responder ao ambiente em que se inserem. O método quer-se transparente, pois criem-se mecanismos de controlo. Mais: defendo uma margem para adaptação dos currículos à luz da realidade local, desde que respondendo a uma estratégia nacional bem definida.
Não compreendo a posição dos professores neste ponto. De uma classe desvalorizada por décadas de políticas injustas, salários baixos, condenada a uma vida incerta, por vezes nómada, esperar-se-ia o aplauso à medida que traria estabilidade às carreiras. E serviria melhor os alunos. Conheço professores em início de carreira, que gostariam de poder organizar a sua vida pessoal, familiar, e fixar-se num sítio sem “a casa às costas”. Descentralizar os concursos seria um bom começo. Se é urgente dignificar a profissão, melhorando as condições de trabalho, bem como torná-la atrativa para os mais jovens e qualificados, é incompreensível o imobilismo dos sindicatos nesta matéria.
O argumento usado pelos professores contra a proposta do ministro da Educação, João Costa, é o de que a contratação local promoveria o amiguismo e as cunhas. Como é óbvio, a medida teria de assentar em regulamentação para o prevenir e controlar. Contudo, entrar em guerra sobre a questão, afastando a hipótese sob quaisquer condições, é um erro. Não serve os interesses do país. O sistema hipercentralizado de recrutamento docente é exceção no quadro europeu. Ter como únicos critérios de colocação a nota final do curso e a antiguidade na função instala um único critério de desempenho, que nada garante sobre a qualidade do serviço, e a precariedade agravada para os professores mais jovens – quando se devia estar a trabalhar para atrair novos quadros capazes, motivados e especializados.
A reforma da Educação é a reforma do futuro do país. Precisamos de um Governo com capacidade para reformar e modernizar as áreas fundamentais do Estado. A um Governo socialista de maioria absoluta, exige-se a coragem de não meter já os papéis para a reforma. Neste caso, da Educação.
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