Finda a ronda de debates, começam as arruadas. Por esta altura, já ninguém tem desculpa para não conhecer as linhas gerais dos programas e os indecisos dividem-se em dois grupos: aqueles para quem a escolha será matemática e os para quem um aperto de mão na feira de Espinho poderá soldar o voto. A implicação democrática do país tem surpreendido. Contudo, agora que a campanha se rega a licores, encerramos a época dos debates com a evidência reforçada de que o lugar de Portugal no globo é matéria de somenos. Num momento crucial para o xadrez internacional, não há interesse em discutir a Europa e o mundo.
Foi um debate quase exclusivamente doméstico. Com louváveis, porém raríssimas exceções, não passámos de Badajoz: a nossa saúde, a nossa economia, a nossa segurança social. À saída de uma pandemia onde a teia de interdependência global se evidenciou como nunca, o debate aconteceu como se vivêssemos num aquário. Na Câmara Municipal de Portugal. A inflação não nos afeta, a revisão das regras orçamentais da Zona Euro não nos afeta, os juros do Banco Central Europeu não nos afetam. A transição energética, a evasão fiscal, a crise migratória, a cibersegurança, a logística – nada disso nos afeta. A questão climática, maior urgência da atualidade, recebe o tratamento de um fait divers: repete-se mais um chavão, diz-se uma vez mais a palavra “ambiente” e está esclarecida a posição de cada partido.
Qual será a visão dos vários candidatos sobre a Europa, num momento em que a política de alianças está no centro do debate transnacional? Que pensam estes candidatos das relações do bloco europeu com os Estados Unidos da América, com a Rússia, com a China? Conseguimos imaginá-los a representar o país em encontros internacionais? Que teria Rui Rio para dizer a Macron? Que estratégias existem para a cooperação de Portugal com os países de língua oficial portuguesa? Que plano para a CPLP? Nada disto interessa. Foi possível dar tempo de antena à prisão perpétua, não sobrou tempo para o séc. XXI.
É lamentável que os múltiplos debates se fiquem geralmente pela reunião de condóminos. Dado o peso das relações externas no nosso futuro, não se compreende que tudo o que transcende a porta do prédio, a pintura do corrimão, o cãozinho da D. Odete ou as obras do primeiro esquerdo fique para segundo plano. Há 150 anos, n’As Farpas, Ramalho Ortigão perguntava: “têm os políticos portugueses alguma leve notícia do que se está passando no mundo?” Aparentemente, não mudámos muito.
Como é evidente, a receita para recuperar Portugal passará por reformas internas de peso que visem o melhor desempenho económico e o apoio à produção nacional, a estratégia para a saúde, para a educação, para a cultura, a resposta à crise demográfica, a modernização, o combate da política laboral à la Odemira. É também óbvio que a prioridade do estar político é mobilizar votos – e que as relações internacionais não são vórtice de interesse num país com quase 70% de abstenção nas eleições para o Parlamento Europeu. Compreende-se quem não aposte aí a sua campanha. Por outro lado, nenhum país geograficamente periférico vingará num mundo global sem pensar global. E, por agora, Portugal continua a leste. A Oeste, vá.
Enquanto Portugal não passar da lógica da gestão doméstica, da navegação à vista, da visão autárquica – do debate limitado à rotunda, ao centro de dia, ao pavilhão multiusos –, será difícil contemplar grandes avanços. Só aliando uma estratégia nacional firme a uma agenda de cooperação e olhos no mundo poderemos contrariar o ciclo.
Em 2022, a geografia já não serve de desculpa à periferia de espírito. Votemos, de horizontes abertos.
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