Faltam três semanas para as eleições. Com exceção de uma minoria com amor à política, a generalidade das pessoas está noutra. Os portugueses não subscrevem esta crise política, não queriam eleições antecipadas, manifestamente inoportunas, mas é tarde. Vamos a elas. A máquina eleitoral está montada, a Democracia tem sempre razão e os votos ditarão a composição da Assembleia. Cabe à classe política mobilizar ao voto, começando por criar meios logístico-legais que garantam o sufrágio seguro. Aos media, cabe informar, abrindo caminho à decisão livre e consciente. Neste campo, temo que o ruído dos ânimos e o modelo dos debates-duelo não preste grande serviço.
Quase um século após a Grande Depressão, vivemos na Grande Exaustão. No culminar do esforço para virar esta colossal página, à beira de uma crise social que assombra o Novo Ano, é difícil exigir ponderação. A pandemia está sob controlo, os números demonstram o êxito da vacina, há base para algum otimismo, mas o cansaço e a incerteza bloqueiam a paz de espírito. Quem vive os problemas reais das famílias, o dia-a-dia económico, precisa de um discurso político que dê resposta e liderança. Precisa de se informar, de comparar opções, de as ver clarificadas e discutidas. Não precisa de campeonatos de boxe, nem de querelas partidárias.
Infelizmente, os debates têm ficado aquém. Na forma, são demasiado curtos, envoltos numa estética de combate marcial – inadequada ao confronto democrático. No conteúdo, são pouco centrados nos programas, com demasiada insistência em conflitos de bastidores ou cenários hipotéticos sobre resultados hipotéticos e hipotéticos acordos. No dia dos primeiros debates, o pico de audiências televisivas estava a léguas das eleições: 1,8 milhões de portugueses estavam a ver o “Big Brother Famosos” na TVI. Sabemos que há uma certa descrença no voto como veículo para a melhoria de vida. Se a conjuntura não favorece a implicação cívica, não ajuda se os debates forem fracos no seu propósito de esclarecer.
Este formato só favorece o populismo, além do mais. Em doze minutos e meio, é impossível esclarecer um programa político, traçar diferenças, explicar opções. Sai a ganhar quem tem a língua mais afiada, quem surfa o soundbyte, quem é vazio de ideias, mas pródigo em táticas rasteiras. A ética, a elevação e o espírito democrático partem em desvantagem. Com mais tempo para aprofundar questões, os oportunistas são desmascarados. Incompreensivelmente, não foram criadas condições para esclarecer os eleitores e agora cabe aos democratas não cair em armadilhas. É normal que o voyeurismo da desgraça faça subir as audiências quando fala um burlão. Todavia, não é aceitável que um político experiente, ou um moderador competente, deixe um burlão ditar a agenda. Precisamos de ver debatidas visões para o crescimento económico, o Estado Social, a ciência, a educação, a justiça, a saúde. Neste momento crucial para o país, importa debater o futuro. Em doze minutos e meio, parte das vezes.
Não será fácil criar soluções para o voto em segurança. Milhares de pessoas arriscam-se a não poder votar, remetidos ao isolamento profilático ou ao medo. É inexplicável que não se tenha antecipado o problema, sendo este o terceiro ato eleitoral em tempo de covid. Aguardemos. Marcelo falou em “retoque legislativo”, a fim de explorar soluções já usadas noutros países. Pode não haver tempo. Este é só mais um motivo para não passar cartão a quem propõe ir buscar ideias ao Estado Islâmico para punir e castrar pessoas. Por muito exótico que seja, antes aproveitar o espaço de debate para falar na dieta mediterrânica, como já aconteceu.
O debate político não é uma rap battle. Não compreendo tanta insistência em apurar quem ganhou, quem arrasou, quem enxovalhou, quando é fundamental estimular o espírito crítico, o debate cívico e civilizado. Em três semanas, só a política competente poderá apontar futuros, explicar programas, só a comunicação isenta poderá estar ao nível do seu poder enquanto pilar da Democracia.
Temos três semanas.
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