Há exatamente um ano, assinei o título “2021 Odisseia no Espaço”. Não sabia ainda que o dia de Natal de 2021 marcaria a saída para o firmamento do Webb – o maior e mais poderoso telescópio espacial da História. Lançado da base europeia de Kourou, na Guiana Francesa, o Webb parte em busca de informação sobre os primórdios do Universo e as primeiras galáxias. O engenho captará a luz ténue de corpos celestes distantes, podendo “viajar” 13,5 mil milhões de anos, até à juventude do cosmos. Por cá, com os pés bem assentes na subida de casos, passámos mais um réveillon em casa, com restrições, máscaras e zaragatoas. A vida pré-pandemia parece já algo apenas ao alcance dos super-telescópios. Cabe-nos entrar no novo ano com a esperança de que a Organização Mundial de Saúde esteja certa: 2022 pode ser o fim da pandemia.
Basta recuar um ano para não ter dúvidas sobre o êxito das vacinas. O seu efeito na prevenção de mortes e internamentos é inequívoco nos países ricos. Resta a solidariedade e a inteligência de imunizar o globo. Aqui, se a transmissibilidade voraz da Ómicron pede a reorganização dos sistemas, a menor letalidade leva vários especialistas a vê-la como bom presságio – com a necessária cautela. A meta de vacinar os países mais pobres mantém-se. Nos países com maior cobertura, a sociedade deve permanecer aberta para bem da saúde mental, da economia, da vida das pessoas. Os casos continuarão a bater recordes. Se, contudo, não se traduzem em hospitalizações, ou se a esmagadora maioria das pessoas está vacinada e vai para casa com sintomas ligeiros, é urgente atualizar a resposta. Libertar pressão no Serviço Nacional de Saúde – e na sociedade, onde a exaustão se faz sentir mais do que nunca. 2022 será um ano delicado, onde a crise social pós-covid se fará sentir. Só com prioridades bem definidas faremos dele um ano de recuperação.
Pelo menos a anos de luz, a expectativa é boa. Webb, o sucessor do telescópio Hubble, começou a ser desenvolvido há três décadas numa parceria entre a Agência Espacial Europeia (ESA) e as congéneres estadunidense (NASA) e canadiana (CSA). O lançamento estava previsto para 2007, mas foi sendo sucessivamente adiado e o orçamento inicial (500 milhões de dólares) derrapou para os 10 mil milhões. As más línguas dirão que o atraso e o descontrolo orçamental se deve à presença de engenheiros portugueses no projeto, mas não passa de especulação. Desta vez, teremos de aceitar que a NASA também se atrasa.
No planeta Terra, o calendário gregoriano dita a época dos balanços e prospecções. Neste horizonte, vale a pena voltar atrás para perceber que 2022 não será a continuação de um ciclo pandémico, deprimente e exasperante, aparentemente interminável. O xadrez mudou, os problemas são outros. A recuperação, a resposta à emergência climática, o combate das desigualdades, as crises humanitárias, as vagas extremistas. Graças à ciência, estamos a léguas da escuridão em que estávamos há um ano. É importante repetir isto – por mais que o sensacionalismo mediático e o aproveitamento das forças que vivem do medo tentem explorar a ideia do ciclo sem fim. Há vida para além do covid. A gestão da pandemia não passa pelo massacre repetitivo, nem pela supressão de todos os outros debates essenciais.
2022 será um ano de missão e libertação. Um ano no qual entramos a bordo de uma cosmonave, já com um certo atraso, que a NASA também se atrasa, rumo a uma série de anos de luz.
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