A Lei 55/2001, de 13 de agosto, veio introduzir, pretensamente, mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais.
Uma das inovações da lei é a assistência obrigatória do Ministério Público ao ato de distribuição eletrónica e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta ordem profissional.
A distribuição é feita diariamente, as operações são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelo juiz que preside, por um oficial de justiça, pelo Ministério Público e pelo advogado indicado pela Ordem dos Advogados.
A razão aduzida para a sua necessidade, de acordo com a respetiva exposição de motivos, é o aumento a fiabilidade do sistema de distribuição eletrónica dos processos judiciais, que tem sido, nos últimos tempos e em mais do que uma instância, posta em causa, por possibilitar a manipulação dos sorteios dos processos.
Refere o preâmbulo do diploma que esta situação “não só é grave, pois põe em causa o respeito pelo princípio do juiz natural, como abala fortemente a confiança dos cidadãos na justiça, por permitir que se escolha um magistrado para decidir determinado processo”.
A referida lei dependia de regulamentação do Governo a efetuar no prazo de 30 dias.
Em novembro de 2022, decorrido mais de um ano desde a publicação da lei, a própria Ministra da Justiça anunciou publicamente que não ia regulamentar a lei, por entender que havia um espaço para a melhorar e estar a trabalhar numa alteração que iria propor ao parlamento.
Não foi, contudo, capaz de, em tempo, apresentar uma proposta de alteração e acabou por sucumbir perante as artimanhas de alguns advogados especialistas em encontrar buracos nas leis para empatar processos, ignorando o dever que do próprio estatuto profissional sobre eles impende de não promoverem diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação de lei ou a descoberta da verdade.
Assim, acabou por regulamentar a lei através da Portaria n.º 86/2023, de 27 de março.
O busílis da questão é que a lei em causa, não só não aumenta a fiabilidade do sistema de distribuição eletrónica dos processos judiciais, como vai obrigar o Ministério Público a estar presente em todas as distribuições de processos, todos os dias e em todo o País, sem que tenha qualquer domínio sobre o processo como as mesmas são efetuadas, nem podendo garantir, por qualquer forma, a fiabilidade do mesmo.
E isto, porque, o sistema eletrónico de distribuição de processos está no domínio do IGFEJ, departamento do Ministério da Justiça, que é quem tem acesso ao sistema, calibra os respetivos contadores e quem pode interferir no modo e dados de funcionamento do sistema informático de suporte à distribuição.
Assim, ao juiz, magistrado do Ministério Público, oficial de justiça e advogado, restará apenas olhar para um monitor e assistir ao processo eletrónico de distribuição, sem nada poder garantir ou assegurar.
Por outro lado, atendendo à enorme falta de magistrados do Ministério Público, a exigência legal de estarem presentes nas distribuições efetuadas, todos os dias e em todos os tribunais e núcleos, vai obrigar muitas vezes à interrupção de julgamentos e diligências para que possam estar presentes nas mesmas ou tenham mesmo que se deslocar aos núcleos e tribunais onde não exista magistrado para assegurar a sua presença no ato de distribuição, com efeitos nefastos para o serviço.
A solução legislativa é, pois, absurda.
O correto era ter-se avançado, isso sim, para a transferência do domínio sobre os programas informáticos de suporte à atividade dos tribunais e à distribuição, do Ministério da Justiça para os conselhos superiores das magistraturas, isso sim, um garante da independência e fiabilidade do sistema de distribuição dos processos judiciais.
Para além do que, as situações que levantaram dúvidas e suspeições no passado, decorreram da alegada inoperacionalidade temporária do sistema eletrónico de distribuição de processos, determinando o recurso à distribuição manual.
Se era esse o problema, bastaria a lei prever que, em caso de inoperacionalidade do sistema informático de distribuição, aí sim, seria necessária a presença do Ministério Público e de um advogado indicado pela Ordem dos Advogados, para comprovar a impossibilidade de recurso ao sistema eletrónico e assegurar a legalidade do ato de distribuição manual.
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