Num mundo em constante evolução (ou será regressão?!), porque é que ainda ninguém inventou a Máquina de Contar “Devias” para, de uma vez por todas, tomarmos consciência de que esses mesmos “devias” envenenam e matam as relações, sejam elas quais forem.
Sabe porque a guerra não cessa? Será que uma das causas não é porque todas as partes envolvidas pensam que quem não partilha da mesma opinião devia partilhar?
Agora imagine o que acontece ao nível das relações familiares e amorosas!
O que sente quando o seu companheiro lhe diz “Devias ter pensado antes”?
E quando ele lhe diz: “Não devias ter dito isso”?
Ou, ainda, quando afirma: “Não devias ter feito aquilo”, “Devias ouvir o que te digo”, “Devias ter vindo ter comigo”, “Devias desligar o telemóvel”, “Devias era estar em casa”, “Devias era dar-me mais atenção”, “Devias era dar-me valor”, “Devias gastar menos dinheiro”, “Devias era trabalhar menos/mais”, “Devias era ser menos egoísta”, “Devias era partilhar mais tarefas”, “ Devias era chegar mais cedo”, “Devias era perguntar a minha opinião”, “Devias era ter-me respondido”, “Devias era ser menos mentiroso”…
Que emoções sente? Tente descrevê-las! Uma panóplia delas, verdade?
Pode sentir irritação, zanga, revolta, stress, ansiedade, angustia, vergonha, frustração… mas existe uma emoção que lhe pode ser mais difícil de gerir do que todas as outras, sabe qual é?
Essa mesma: A culpa! Sabe porquê? Porque a culpa é uma emoção que “mina” a sua autoestima e autoconfiança. E pergunta-me: “Mas é possível ouvir isso e não a sentir?” Sim, é possível! De que forma?
Ninguém nos pode fazer sentir culpados, a menos que o permitamos. Quando alguém lhe diz “devias…” esse alguém está apenas a fazer um juízo de valor sobre o seu comportamento, atitude, afirmação…
Esse juízo não é mais do que um pensamento baseado nas crenças dessa mesma pessoa, não nas suas. Você só sentirá irritação, culpa ou qualquer outra das emoções anteriormente referidas, se decidir dar importância, relevância, valor, significado… se valorar o juízo de valor emitido, seja ele qual for. E essa é uma decisão só sua, não dos outros.
É você quem decide como reagir. Se decidir permitir que lhe colem o “rótulo” “devias”, poderá sentir-se menos bem. Se decidir não permitir, vai focar a sua atenção e energia em si e, provavelmente, decidir conversar com essa pessoa e pedir-lhe para, em vez de utilizar a palavra “devias” usar outras palavras que despertem emoções positivas.
A culpa é uma emoção adaptativa e é saudável quando desperta em nós pensamentos e comportamentos positivos. Muito diferente é permitirmos que alguém, consciente ou inconscientemente nos faça sentir culpados, impondo-nos as suas próprias crenças e perceções, quando não as regras ditadas pelo seu ego e egoísmo.
Sim, os “devias” e a culpa são apenas mais uma expressão da cultura judaico-cristã não questionada. Podem ser igualmente expressão de insegurança, necessidade de controlo e, em alguns casos, de narcisismo, a maioria das vezes inconsciente, mas que vai minando e destruindo as relações até deixarem de existir.
E existirá forma de esquecer os “devias”?
Sim! Tente tomar consciência de quantas vezes os diz. Sugira ao seu companheiro que faça o mesmo e desafiem-se os dois abolir essa palavra da vossa comunicação, substituindo-a por expressões como “E que tal se …”, “Sugiro que “, “Pensa se…”, “Pondera acerca…”, “Já pensaste nesta solução…”; “Gostava de …”, “Iria sentir-me muito feliz se…”, “Vamos pensar juntos…”, “Desafio-te a …”, “A minha perspetiva/opinião é…”, “O que eu sinto é…”, “Gostava que da próxima vez…”, “Quero pedir-te para…”, “O que disseste/fizeste magoou-me”…
Esta é uma nova forma de comunicar, isenta de juízos de valor e culpa e assente na verbalização de sentimentos e emoções, não em imposições, pressões, tensões e respetiva resistência.
Todas estas expressões não são indutoras de culpa, não são culpabilizantes, não fazem com que o outro se sinta ameaçado e atacado, ainda que inconscientemente, nem sinta necessidade de se defender. Não estimulam discussões nem a escalada de conflitos.
Além do mais, todos os seres humanos partilham de algo em comum que se chama “resistência”. Sobretudo no que respeita às relações amorosas, quando o nosso companheiro nos impõe um dever consubstanciado numa determinada ação, especialmente quando desprovida de sentido para nós, tendemos a resistir, a não o aceitar e a contrariar esse mesmo dever imposto. Muitos dos jogos de poder e psicológicos que ocorrem nas relações amorosas baseiam-se na imposição recíproca destes deveres, acabando a maioria delas em divórcio.
O respeito pelo outro, pela sua forma de pensar e percecionar o mundo e as relações é fundamental numa relação dita saudável. Os “devias” isto ou aquilo, são meras tentativas de controlo, que expressam muito mais acerca de quem os verbaliza do que propriamente acerca do visado.
Se quer ter uma relação liberta de “devias” e acabar com a irritação, zanga e especialmente a culpa que o fazem sentir, converse com o seu companheiro e escolham viver a vossa relação baseada na expressão de sentimentos, emoções e pedidos.
Eu sei que conseguem!
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Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.