O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, a Procuradoria da Comarca dos Açores, o Comissariado dos Açores para a Infância e a Faculdade de Direito de Coimbra, organizaram nos dias 9 e 10 de março de 2023, um seminário dedicado ao tema, “Crianças e Jovens: Direitos, Acolhimento, Abuso Sexual”, o qual decorreu em Ponta Delgada e manteve um elevado nível de adesão, quer presencialmente, quer através da “Justiça TV”.
Os temas abordados assumem grande acuidade na realidade concreta dos Açores e dos dois dias de trabalho profícuo despontaram ideias força para reflexão conjunta por todos aqueles que têm na criança, na justiça e na administração que a convoca o seu mister e a sua base de trabalho e constante suor, movidos pela necessidade de proteger as crianças em perigo colocadas em acolhimentos e atingidas pelo flagelo do abuso sexual.
A magistratura do Ministério Público tem um papel incontornável no sistema de promoção e proteção e neste tipo de iniciativas procura sempre melhorar a resposta do Estado ao nível da infância e juventude, assumindo o seu papel de elo de ligação da sociedade ao sistema de justiça, como uma magistratura proactiva, de interação e de promoção, que congrega esforços e estabelece pontes, que potencia resultados.
A intervenção na promoção e proteção das crianças e jovens exige um trabalho articulado, desburocratizado e próximo entre as entidades da sociedade que trabalham na área, o Ministério Público e os juízes com competência na matéria, no sentido de que o projeto de vida para a criança e o jovem seja acompanhado desde o início de forma estruturada e consistente, contemplando todas as vertentes, de forma a propiciar o seu desenvolvimento harmonioso.
O mesmo se diga quando ao trabalho a empreender no domínio da investigação dos abusos sexuais de crianças, a exigir uma articulação entre todos os intervenientes, desde o momento da notícia do abuso na escola, na instituição, no Centro de Saúde, passando pelo Ministério Público, o órgão de polícia criminal, a medicina Legal e até à fase de julgamento.
O paradigma de acolhimento residencial, não obstante as alterações legislativas, ainda está longe de corresponder ao desejável, designadamente ainda continuam a ter um caráter muito institucional, com espaços desproporcionalmente grandes, sem decoração, com quartos de dormir com lotação exagerada, com casas de banho tipo balneários públicos e com muita desarrumação e elementos perigosos.
Necessidade em Portugal de implementar um modelo de intervenção residencial, numa ótica de acolhimento verdadeiramente terapêutico que seja capaz de, durante o desejável pouco tempo da sua duração na vida de uma criança, promover as condições para a adequada satisfação das suas necessidades físicas, cognitivas, emocionais e sociais, bem como para a recuperação terapêutica das suas experiências pregressas.
Pretende-se que o acolhimento com intencionalidade terapêutica, faça desconstruir a ideia de punição ou de castigo por parte da criança acolhida, o que deve ser incentivado antes do acolhimento, no próprio dia do acolhimento, na duração do seu acolhimento e aquando da saída, mostrando-se sempre disponibilidade afetiva para com a criança e respeito pelos espaços e tempos da criança, definindo-se estratégias otimizantes da sua integração social, capazes de potenciar a sua transformação interna.
No que tange aos abusos sexuais importa não esquecer que em todo o processo o foco não pode ser apenas o suspeito ou arguido, sendo necessário desde o início prestar o necessário e adequado acompanhamento à criança e jovem vítima, evitando a sua (re)traumatização em consequência do processo judicial e que importa dar concretização ao princípio da “presunção de vitimização”, o qual em nada colide com o princípio da “presunção de inocência”.
Constatação de que as instalações do Ministério Público, em particular, e dos tribunais, em geral, ainda não obedecem, em termos de infraestrutura, a todas as recomendações internacionais e regras legais, no que tange ao setting para a audição da criança, assinalando-se, contudo, nos últimos tempos, uma grande melhoria nesse particular.
Defesa da ideia de que a criança não deve ser acompanhada por várias pessoas em termos de «agente de suporte», devendo antes manter-se sempre a mesma pessoa como sua pessoa de referência.
Promoção do direito de audição e participação da criança no processo e de observância de todos os mecanismos consagrados para tornar a sua participação no processo child friendly, p. ex., em termos de configuração dos espaços que a recebem, de observância do dever de lhe dar conhecer previamente esses espaços e de preservação da sua intimidade e reserva, designadamente pelos órgãos de comunicação social.
Seminários desta natureza, envolvendo os vários intervenientes na área da infância e juventude e na investigação dos abusos sexuais, assumem-se como motor da articulação essencial entre todos, farol para o futuro da intervenção, e ferramenta para o Ministério Público melhorar, em cada momento, a qualidade da sua resposta.
MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR
+ Procuradores e juízes de Angola em protesto
+ Solidariedade com os funcionários judiciais
+ Dar voz às vítimas de abusos sexuais
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.