As medidas previstas não diferem muito daquelas que já vinham previstas nos anteriores OE de 2021 e 2022, como são exemplos o combate à corrupção ou a informatização e desmaterialização dos processos judiciais.
Dá-se continuidade ao plano plurianual de recrutamento de pessoal para as carreiras de investigação criminal, especialista de polícia científica e segurança da Polícia Judiciária, garantindo o seu aumento líquido, o rejuvenescimento e a eficácia operacional dos seus efetivos, contribuindo decisivamente para a Estratégia Nacional do Combate à Corrupção e para o reforço do combate à corrupção, à fraude e à criminalidade económico-financeira.
Para além disso acentua-se o enfoque nos meios extrajudiciais de resolução de conflitos, como promover a expansão da rede dos julgados de paz em estreita articulação com os municípios; reforçar os sistemas de mediação públicos e o acesso à mediação, designadamente familiar e laboral; implementar e consolidar ferramentas de suporte a um novo modelo de gestão processual nos julgados de paz, nos sistemas públicos de mediação e nos centros de arbitragem de conflitos do consumidor.
Nas medidas previstas nas páginas 251 a 253 do relatório que acompanha o OE para 2023, nem uma única linha é dedicada ao reforço dos meios do Ministério Público.
O Ministério Público Português é a nível Europeu aquele que assume maiores e mais diversificadas competências e que vão desde a jurisdição criminal, ao trabalho, à família, crianças e jovens, ao domínio do cível, execuções e insolvências, ao administrativo e fiscal, aos interesses coletivos e difusos.
Não obstante essa abrangência de competências, o certo é que o Governo decidiu não dedicar uma única linha, da sua estratégia de investimento na justiça, ao Ministério Público.
Mas tal não é para nós uma surpresa!!
A análise do último relatório do Conselho da Europa, “European judicial systems CEPEJ Evaluation Report”, contendo dados sobre o investimento dos diversos Estados no sistema judiciário, revela que Portugal é dos que menos investe no Ministério Público e ao nível da própria União Europeia encontra-se nos três últimos lugares.
A conclusão só pode ser uma: o Governo não quer um Ministério Público com meios, capaz de dar uma resposta de qualidade e em tempo.
Quer um Ministério Público na míngua, na penúria, de mão estendida, limitado na sua capacidade de atuação.
Só isso justifica o total desprezo evidenciado nesta proposta de OE para 2023 ao não ter inserido uma única linha estratégica relacionada com o reforço dos meios e da capacidade de resposta do Ministério Público.
Prefere reforçar o investimento na privatização da justiça ou em entidades na sua dependência.
Mas reforçar os meios no Ministério Público, enquanto magistratura autónoma e independente do poder executivo, isso já não interessa!!
O Conselho da Europa insiste desde há mais de 20 anos na necessidade de garantir que o Ministério Público possa exercer as suas funções em condições legais e organizacionais adequadas, nomeadamente quanto aos meios financeiros ao seu dispor, designadamente um estatuto adequado, apoio organizacional e recursos, quer em termos de pessoal, instalações, meios de transporte e um orçamento adequado, devendo os magistrados do Ministério Público ter um papel relevante na definição das mesmas.
O Governo português não quis seguiu os passos da Alemanha que, a fim de reforçar o sistema judicial e o Estado de direito, decidiu aplicar um Pacto pelo Estado de Direito (Pakt für den Rechtsstaat) que prevê um aumento dos recursos, tanto a nível federal como dos Länder, nomeadamente um financiamento adicional de 220 milhões EUR a nível federal para que os Länder criem 2.000 cargos suplementares para juízes e procuradores, incluindo o pessoal administrativo necessário.
O que a proposta de OE apresentada pelo Governo demonstra é que não é prioridade o reforço do Estado de direito em Portugal; não é prioridade um Ministério Público com meios e recursos próprios adequados para cumprir cabalmente as suas funções e com capacidade para dar uma resposta de qualidade e em tempo.
Em suma, o poder político não quer um Ministério Público independente.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.