O Governo apresentou no parlamento uma proposta de lei que visa a efetiva integração da Unidade Nacional da EUROPOL e do Gabinete Nacional da INTERPOL no seio do PUC-CPI, criado em 2017 no âmbito do Sistema de Segurança Interna, na dependência e sob coordenação do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna.
O Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna funciona na direta dependência do Primeiro-Ministro ou, por sua delegação, do Ministro da Administração Interna e é equiparado, para todos os efeitos legais, a secretário de Estado, assumindo competências de coordenação, direção, controlo e comando operacional das diversas forças e serviços de segurança.
O pecado original que subjaz à estruturação do Sistema de Segurança Interna e na definição das competências do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna reside numa clara confusão entre aquilo que é o domínio da segurança interna e a esfera de atuação das forças de segurança no mesmo, e aquilo que são as competências das polícias enquanto órgão de polícia criminal.
Se faz sentido que as forças e serviços de segurança estejam sob a tutela do executivo no que tange às competências eminentemente policiais e circunscritas ao âmbito da segurança interna, como o policiamento de rua, de eventos, a articulação entre o Sistema de Segurança Interna e o planeamento civil de emergência, a ligação com estruturas privadas, incluindo designadamente as empresas de segurança privada, o mesmo não se pode dizer quanto às suas competências enquanto órgão de polícia criminal.
O Ministério Público é uma magistratura autónoma a quem compete, constitucional e legalmente, o exercício da ação penal, coadjuvado pelos órgãos de polícia criminal que atuam sob a sua direta orientação e na sua dependência funcional.
Pelo que constitui uma violação flagrante aos princípios da separação de poderes, do exercício da ação penal pelo Ministério Público e da própria autonomia deste, a entrega de competências de coordenação, direção, controlo e comando operacional dos órgãos de polícia criminal a uma entidade diretamente tutelada pelo Primeiro-Ministro e pelo Governo.
Tal opção política visa esvaziar o Ministério Público dos seus poderes de direção do inquérito e da investigação criminal, colocando o Ministério Público na total dependência do poder executivo.
O Primeiro-Ministro, durante a campanha eleitoral, apresentou-se como arauto na defesa da autonomia do Ministério Público, porém as políticas que vem implementando representam uma clara opção contrária, ao cingir os poderes daquele a uma direção meramente formal do inquérito, desprovido dos meios e sem qualquer poder sobre a disponibilidade dos meios que se encontram na direta dependência do poder executivo.
Mais grave que isto é que a coordenação dos órgãos de polícia criminal e a estruturação do Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional surgem à margem do Ministério Público e sem que a Procuradoria-Geral da República tenha sido chamada a assumir, como devia, o papel central, enquanto órgão cimeiro do titular do exercício da ação penal.
Quer a coordenação dos órgãos de polícia criminal, quer o Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional em matéria de investigação criminal, deveriam ter sido estruturados no seio do Ministério Público enquanto titular do exercício da ação penal, de forma a evitar interferências políticas e a melhor disponibilidade e coordenação dos meios tendo em vista as finalidades do inquérito criminal.
A integração da Unidade Nacional da EUROPOL e do Gabinete Nacional da INTERPOL no seio do PUC-CPI, que por sua vez está estruturado na orgânica do Governo, constitui mais um passo do poder político para interferir e limitar a atuação do Ministério Público, que fica na dependência daquele no que concerne aos intercâmbios de informação e colaboração no âmbito da investigação criminal, em matérias como a prevenção e investigação dos crimes de terrorismo, branqueamento de capitais ou corrupção.
É inadmissível que propostas desta natureza sejam feitas à margem do Ministério Público, sem que as suas estruturas representativas sejam ouvidas, e através de acordos e acertos de bastidores entre o secretário-geral do SSI e o Diretor Nacional da PJ, à revelia das demais forças policiais, numa clara e medíocre cultura de repartição de coutadas.
A questão que se coloca é saber qual a razão pela qual o Governo não quer que a coordenação dos órgãos de polícia criminal e bem assim a direção do ponto de contacto internacional para a cooperação policial internacional no âmbito da investigação criminal sejam da competência da Procuradoria-Geral da República, quando seria essa a solução mais lógica no nosso sistema processual penal?
A resposta só poder ser uma: uma magistratura autónoma é sempre incómoda!
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