O segredo de justiça do processo penal aparecia referenciado, até à década de 80 do século XX, quase em exclusivo, à tutela da eficácia da investigação criminal.
Todavia, a partir de então, foi-se assistindo ao alargamento da dimensão referencial do segredo de justiça e, por consequência, do tipo incriminador da violação desse segredo, intensificando-se a sua afetação, no mesmo plano, quer à proteção da eficácia da investigação criminal quer à tutela de interesses de alguns participantes processuais, designadamente quanto ao segmento proteção dos direitos do arguido a um processo equitativo e à presunção de inocência.
Aliás, na reforma do processo penal operada em 2007 o legislador (entenda-se a Assembleia da República), imbuído do espírito de conferir uma maior proteção dos direitos individuais do arguido a um processo equitativo e, principalmente, à presunção de inocência, estendeu o âmbito subjetivo do segredo de justiça não só aos sujeitos e participantes processuais como igualmente quer a quem tenha tomado contacto com o processo, quer a quem haja tido conhecimento de elementos a este pertencentes.
Assim, desde então, para além dos sujeitos e participantes processuais, oneradas com a obrigação de guardar segredo são todas as pessoas que conhecerem informações sobre o teor de atos de processo penal submetido a esse segredo, independentemente da forma através da qual obtiveram tal conhecimento e de haverem mantido ou não qualquer contacto com os autos, onde indubitavelmente se incluem os jornalistas.
O poder legislativo foi quem decidiu colocar os jornalistas no âmbito subjetivo do segredo de justiça, independentemente da forma como tiveram acesso aos elementos do processo.
Segredo de justiça que se consubstancia na proibição de assistência à prática ou tomada de conhecimento do conteúdo de ato processual a que não se tenha o direito ou o dever de assistir e na proibição de divulgação da ocorrência de ato processual ou dos seus termos, independentemente do motivo subjacente a tal divulgação.
Claro está que, essa proibição, não impede ou limita o verdadeiro jornalismo de investigação, aquele que passa por tornar público o que não se sabe, mas que seja de relevante interesse público. Aquele que se preocupa com o esclarecimento e entendimento de situações complexas que não são conhecidas e que exige dos jornalistas um aprofundado trabalho de recolha de documentação e de investigação pelos próprios meios.
Esse jornalismo efetua uma investigação paralela aquela que é desenvolvida pelas autoridades judiciárias e policiais e independentemente da mesma.
O problema é que se tem instalado um certo jornalismo que se cinge ou limita à devassa dos processos judiciais e à divulgação do que consta dos mesmos, sem qualquer trabalho próprio e autónomo de investigação.
É a este tipo de jornalismo que o alargamento do âmbito subjetivo do segredo de justiça afeta.
Porém, se é certo que em 2007 o poder político quis subjugar intencionalmente os jornalistas ao segredo de justiça para proteger os interesses individuais dos visados nas investigações criminais, o certo é que não forneceu ao Ministério Público os instrumentos necessários para que as investigações às referidas violações do referido segredo pudessem ter algum sucesso.
Na verdade, caraterizando-se esta criminalidade (violação do segredo de justiça) pelo secretismo e anonimato das fontes, sem a admissão ao nível legislativo do recurso a meios de prova invasivos da privacidade (interceções telefónicas, registo de voz e imagem, vigilâncias), qualquer investigação está, à partida, condenada ao fracasso.
O Ministério Público vive, assim, entalado entre os que exigem mais eficácia na investigação do crime de violação do segredo de justiça, mas sem que o legislador o tenha habilitado com ferramentas de prova adequadas a responder a tal exigência e os jornalistas que querem ficar impunes do crime de violação do segredo de justiça, mas esquecendo que foi o poder político que os incluiu no âmbito subjetivo desse mesmo segredo.
Enquanto isso, o poder político assobia para o lado, assistindo a tudo como se de um mero espetador se tratasse, quando é o único e verdadeiro responsável e o único a quem compete a solução do problema.
Compete aos partidos políticos com assento parlamentar assumirem as suas responsabilidades e deixarem de ter um comportamento omissivo “cobarde” perante este problema, querendo agradar a gregos e a troianos, e adotem por via legislativa uma posição coerente – arredando os jornalistas do âmbito subjetivo do crime de violação do segredo de justiça dando prioridade ao valor constitucional da liberdade de imprensa em contraposição ao segredo de justiça ou, por outro lado, considerando que devem prevalecer os valores que justificam o segredo de justiça, como a proteção do direito dos arguidos, e neste caso dotem o Ministério Público das ferramentas legislativas necessárias ao nível dos meios de obtenção de prova consonantes com essa opção.
Em todo o caso, não é ao Ministério Público a quem devem ser apontadas as lanças, mas ao poder legislativo, ao parlamento, único a quem compete aferir do necessário equilíbrio entre a liberdade de imprensa e o segredo de justiça e tomar ao nível legislativo as necessárias medidas em consonância com a opção tomada.
É para isso que foram eleitos!
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