Na última quarta-feira, 20 de abril, teve lugar a cerimónia de abertura do ano judicial que decorreu no salão nobre do Supremo Tribunal de Justiça, a qual ocorre já decorrido mais de um terço do mesmo, mas mesmo assim a criar algumas expectativas num momento em que o Governo acabou de tomar posse e temos nova titular na pasta da justiça.
Não me debruçarei sobre a totalidade dos discursos, mas pela incompreensão de certa afirmação de um e pela falta de inovação do outro, apenas tecerei algumas interrogações e considerações sobre os discursos do Bastonário da Ordem dos Advogados e da Ministra da Justiça.
A certo ponto do seu discurso referiu o BOA e passo a citar “temos assistido nos últimos tempos a muitas absolvições de cidadãos que exerceram funções políticas ao mais alto nível, os quais, no entanto, tiveram que viver durante anos com o estigma de uma acusação criminal, abundantemente relatada na comunicação social, que depois foi julgada improcedente pelos tribunais” e, no seguimento dessa afirmação “esperar-se-ia, a bem da credibilidade da nossa justiça que, sendo as mesmas julgadas improcedentes nos Tribunais, os cidadãos tivessem uma explicação pública por parte do Ministério Público sobre o que motivou a sua acusação”.
Não sei em que país vive o atual BOA, mas seguramente não será em Portugal, pois neste país não temos assistido a muitas absolvições de cidadãos que exerceram funções políticas ao mais alto nível, pelo contrário os dados estatísticos recolhidos no ano que passou permitem concluir que cerca de noventa por cento das acusações proferidas pelo Ministério Público em Tribunal Coletivo, isto é, onde são julgados os crimes mais graves, deram origem a condenações.
A outra perplexidade das suas afirmações reside na exigência que o Ministério Público desse uma explicação sobre o que motivou a sua acusação. O que pretende o BOA insinuar???
O Ministério Público português é autónomo, independente, atua com base em critérios de legalidade e estrita objetividade, não é instrumentalizável.
Num Estado de direito como é o nosso não existem provas ou elementos ocultos no processo, desde o início do inquérito até ao julgamento, tudo o que o Ministério Público faz, todas as provas que recolhe, ficam vertidas no processo e acessíveis aos sujeitos processuais e a todos os que acedam ao mesmo, com total transparência.
Os políticos com que o BOA tanto se preocupa estão devidamente representados por advogados onde não faltam os recursos e os meios, ao contrário do que acontece com o MP.
Talvez se devesse preocupar mais com os cidadãos que não têm recursos e meios, aqueles cuja qualidade da defesa tantas vezes deixa a desejar…
Em vez de proferir insinuações levianas contra os outros intervenientes do sistema judiciário talvez devesse zelar pela própria casa e pela ética e qualidade da advocacia, onde tem muito para fazer, e pugnasse para que todos os cidadãos tenham acesso à justiça em condições de igualdade… no fundo pela igualdade de todos perante a lei.
As expectativas da sessão de abertura do ano judicial concentravam-se, contudo, no primeiro discurso da Ministra da Justiça, no pontapé de arranque da mesma.
Embora saudemos a vontade que manifestou em ouvir e trabalhar com os representantes do sistema judiciário na procura de soluções para os problemas da justiça, o discurso peca pela ausência de ideias novas.
Os aspetos que salientou são os que já vêm dos Governos anteriores, a estratégia contra a corrupção, por um lado, a transição digital e inteligência artificial, por outro, sem que, contudo, quanto ao primeiro aspeto tenha avançado: quando; onde; com que composição; que garantias de independência; com que competências; vai ser criado e implementado o novo “Mecanismo de Prevenção da Corrupção”.
Por outro lado, nem uma palavra sobre aquilo que têm sido as sucessivas queixas dos representantes do sistema judiciário quanto à falta de condições e de meios humanos e materiais.
Naquela que foi a sua primeira intervenção pública enquanto Ministra da Justiça teria sido importante o seu compromisso no sentido de resolver a penúria de meios na justiça e devolver confiança e esperança a todos os que nela trabalham.
Vamos esperar que a sua ação vá bem para além do seu discurso e que alguns dos problemas da justiça já não o sejam na sessão de abertura do próximo ano judicial.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.