No XII Congresso organizado pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e que decorreu nos dias 25 e 26 de março de 2022 foi mais uma vez salientada a necessidade de reforço urgente do quadro dos magistrados do Ministério Público, em pelo menos, mais duzentos magistrados, de forma a garantir uma estabilização do mesmo.
Mas deparamo-nos, desde logo, com um grave problema com o qual parece que ninguém está minimamente preocupado.
O acesso ao Centro de Estudos Judiciários faz-se por concurso público que compreende provas de conhecimentos, escritas e orais, uma discussão sobre temas de direito e um exame psicológico de seleção. Mais uma vez, no último concurso ao CEJ, ficaram por preencher 12 vagas no Ministério Público por falta de candidatos com avaliação positiva para o preenchimento da totalidade de vagas a concurso.
A essa realidade de facto, que não assume já caráter singular, acresce a redução ao longo dos anos da base de recrutamento, porque a cada ano são menos os candidatos que concorrem à magistratura.
Tal situação não pode deixar de dar lugar a um estudo de diagnóstico aprofundado da situação e a identificação das causas dessa tendência, que deverá ser levada a efeito não só pelos conselhos superiores de cada umas das magistraturas, mas também pela escola de formação judiciária e pelo próprio Estado.
Será que esta tendência não constitui preocupação para o poder político? Será que não interessa ao poder político ter magistrados e magistrados com qualidade?
Na nossa perspetiva urge perceber porque existindo cada vez mais licenciados em direito, existem cada vez menos candidatos à magistratura.
Será que ser juiz ou procurador já não é apelativo?
Será que o modelo de recrutamento dos magistrados não é o adequado?
Após a reforma universitária decorrente do processo de Bolonha, o CEJ passou a exigir como condição de acesso a quem entre pela via académica ser possuidor de grau de mestre ou doutor para licenciados pós-Bolonha, enquanto o acesso, a outras carreiras da área do direito continuaram a exigir, apenas, a licenciatura, como a advocacia ou o acesso à carreira dos conservadores e notários.
Tal imposição, compreensível pela necessidade de exigir aos candidatos um elevado nível de formação jurídica adequado às exigências de um corpo de magistrados com uma preparação condizente com o nível de responsabilidade das funções que vão exercer, pode conduzir a que uma grande parte dos jovens licenciados consigam, entretanto, outra saída profissional e, mesmo que tivessem equacionado o ingresso no CEJ, acabam em face dessa outra saída desistir dessa opção.
Um outro fator relevante a atender é o da mudança do paradigma da organização do exercício da advocacia, que nos últimos 30 anos passou de uma advocacia de exercício isolado ou em pequenas sociedades, para grandes sociedades de advogados, algumas delas resultado de fusão com sociedades de advogados de cariz internacional e que têm ao seu serviço várias centenas de advogados nas mais diversas áreas de especialização.
Essencialmente centralizadas nas duas principais cidades (Lisboa e Porto) apostam fortemente no recrutamento de jovens licenciados diretamente nas faculdades de direito, com elevado marketing de recrutamento e presença nas “Job Shops” (feiras de saídas profissionais) onde procuram aliciar os alunos com melhores resultados para estagiarem nos seus quadros, onde poderão continuar o seu percurso académico, e criar nos jovens licenciados a ilusão de um futuro promissor, próximo da sua área de residência.
Já em contraponto, o acesso à magistratura judicial ou do Ministério Público apresenta-se muito mais sinuoso.
Desde logo, pela necessidade de terem de se deslocar para frequentarem um período de formação teórico-prático exigente, decorrendo a parte teórica nas instalações do CEJ em Lisboa e a prática nos tribunais e que poderá implicar estarem deslocados a mais de 600 km da residência, durante 3 anos, findos os quais podem ser excluídos.
Para além disso as perspetivas dos primeiros dez anos é de ficarem colocados em tribunais longe da sua área de residência , com um volume e complexidade de trabalho cada vez maiores, a sujeição a um regime de exclusividade, a quase ausência de progressão na carreira, a necessidade de formação e aprendizagem permanentes ao longo de toda a vida, a inexistência de condições de trabalho, juntamente com o cada vez menor prestígio que é atribuído (social e institucionalmente) à função são certamente fatores determinantes para que o acesso à magistratura não se apresente como muito apelativo.
Tais fatores podem determinar que os melhores prefiram ingressar nos grandes escritórios de advogados, em consultoras ou bancos, até porque lhes apresentam projetos de realização profissional e futuro promissor, com marketing exercido diretamente nas faculdades de direito, através das referidas feiras de profissões ou, mesmo, através de protocolos estabelecidos com as mesmas.
Uma justiça de qualidade exige Magistrados do Ministério Público de qualidade, exige um esforço do Estado de aliciar para esta carreira os melhores alunos das universidades.
Tal, impõe que o Estado contribua para o prestígio e dignificação das magistraturas, criando condições de carreira e trabalho apelativos e coincidentes com o grau de responsabilidade das funções exercidas e encontre rapidamente soluções para contrariar esta tendência de exaurimento da base de recrutamento de magistrados.
Ao contrário do que alguns por aí propalam, são mais as agruras e dificuldades constantes com que os magistrados se deparam do que os privilégios.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.