“Law is like a cobweb; it’s made for flies and the smaller kinds of insects, so to speak, but lets the big bumblebees break through. When technicalities of the law stood in my way, I have always been able to brush them aside easy as anything”.
Começo o meu artigo de hoje com uma frase de Edwin Sutherland, num texto publicado em 1945, na Revista Americana de Sociologia, intitulado “Criminalidade de Colarinho Branco”, e que vou traduzir da seguinte forma “A lei é como uma teia de aranha; é feita para moscas e os tipos menores de insetos, por assim dizer, mas permite que as grandes abelhas penetrem. Quando os tecnicismos da lei atrapalharam o meu caminho, eu sempre fui capaz de colocá-los de lado com facilidade”.
O autor já então sustentava que a impunidade dos criminosos “de colarinho branco” resultava da pressão exercida sobre os tribunais e do poder que detêm para influenciar e conformar o sistema judiciário de forma a escaparem às malhas da justiça.
A crescente onda de críticas ao Ministério Público proveniente de alguns comentadores e advogados com presença constante nos meios de comunicação social e da própria classe política não é uma realidade exclusiva do nosso País, mas algo que encontra precedentes históricos noutros países.
Não precisamos de recuar muito no tempo para recordarmos o que aconteceu em Itália, com a operação “Mãos Limpas”, na década de 90 do século passado, e que permitiu investigar e condenar altos quadros da política e das empresas.
A opinião pública, que no início havia sido amplamente favorável à operação “Mãos Limpas” e ao trabalho desenvolvido pelos magistrados, bem como de grande parte dos órgãos de comunicação social e dos partidos da oposição, aos poucos foi mudando.
Quando as investigações por corrupção começaram a ir para além do círculo restrito de políticos e empresários inicialmente visados e a abranger políticos e empresários de vários quadrantes políticos, então o cenário mudou radicalmente e deu lugar ao surgimento de ataques, na comunicação social e na classe política, orquestrados por aqueles que temiam ser apanhados pelas malhas da justiça, ao sistema de justiça e aos magistrados, acusando-os de serem privilegiados, não estarem sujeitos ao controle democrático, agirem impulsionados por uma determinada corrente política, responsabilizando-os pelas prescrições e pela lentidão dos processos, por violações indevidas do direito à hora dos investigados e pelas absolvições.
Tudo isto levou a reações legislativas por parte do poder político, algumas sem sucesso como a proposta de revisão constitucional apresentada em 1992 e que visava desvincular o Ministério Público italiano da magistratura e subordina-lo ao poder executivo ou mesmo legislativo, mas outras com sucesso como o DL 440/1994, que ficou conhecido como “Decreto Biondi” ou “Decreto salva-ladrões” e que tornou impossível a aplicação de prisão preventiva para crimes contra a administração pública e o sistema financeiro; diminuiu o tempo para a instrução preparatória; e, proibiu a divulgação de investigações criminais pela imprensa.
Ao analisar alguns dos programas políticos já conhecidos e aquilo que tem sido a postura de responsáveis políticos ao criticarem o Ministério Público a propósito de casos concretos que seguramente não conhecem e, bem assim, as posições assumidas por alguns comentadores e “entendidos” nos órgãos de comunicação social, sinto que estamos a assistir a um remake do que aconteceu em Itália.
A vontade política verbalizada de combater a corrupção não encontra eco, suporte, nos seus programas políticos, onde o que se destaca é a vontade de combaterem e controlarem aqueles que investigam os crimes de corrupção.
A opinião pública deve estar atenta e perceber que por trás das críticas à atuação do Ministério Público está um único propósito – limitar a autonomia e independência desta magistratura e controlar o que é investigado e quem é investigado.
Qualquer proposta que comprometa a independência e autonomia do Ministério Público, seja diretamente, seja através do aumento da participação e controlo político dos seus órgãos, Procuradoria-Geral da República e Conselho Superior do Ministério Público, não tem por objetivo combater melhor a corrupção, mas sim sacudir a corrupção para baixo do tapete, impedindo que seja investigada.
Não tenhamos ilusões. O combate da criminalidade económico-financeira e da corrupção não é um combate fácil. Não podemos esquecer que os potenciais investigados neste tipo de criminalidade têm muito poder, quer ao nível económico que lhes permite fazer uso de todos os expedientes processuais e mais alguns para arrastarem os processos, quer igualmente ao nível da capacidade de influência e pressão sobre os tribunais, os meios de comunicação e o poder político a quem compete a conformação do sistema judiciário.
Não deixemos espaço para que as grandes abelhas penetrem!!!
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