Nunca como no ano que agora termina se discutiu a justiça a propósito de, não mais do que, três ou quatro casos concretos e sempre numa oscilação entre a euforia e a profunda depressão, nenhum desses estados de ânimo adequados a uma reflexão séria sobre o assunto.
As mesmas vozes que em determinado momento criticam a justiça por ser branda de mais e permitir a fuga, logo a seguir criticam o excesso de prisão.
Temos uma panóplia de “comentadores” que todos os dias nos entram pela casa adentro, quais arautos especialistas em quase tudo, capazes de formular uma sentença arrasadora sobre o sistema de justiça em poucos segundos, mas que na verdade, na maioria dos casos, nunca entraram num tribunal, nem sequer sabem nada sobre aquilo que propalam ou, os que entraram, têm interesses diretos ou indiretos na descredibilização do sistema de justiça.
Tudo isto estaria à altura de um programa de humor dominical não fosse o facto de estes “comentadores” serem secundados por representantes dos vários quadrantes políticos, juntando-se àqueles no rol de críticas, e insistindo na necessidade de se operar uma reforma da justiça e de uma eventual maior intervenção do poder político no sistema judiciário.
Argumenta-se que a morosidade da justiça está intrinsecamente ligada aos megaprocessos e que tal não permite, por um lado, assegurar a desejada justiça em tempo útil e que, por outro lado, arrasta o nome daqueles que são arguidos para um clima de suspeição durante demasiados anos, com clara repercussão na sua vida pessoal e na sua imagem pública, sendo que no final podem até ser absolvidos.
É inquestionável que o sistema de justiça tem falhas, algumas endógenas, mas outras que são devidas a causa exógenas, e que deve desenvolver todos os esforços para garantir uma justiça em tempo razoável.
Torna-se essencial fomentar uma cultura de estratégia e gestão racional do processo penal, com clara definição e delimitação do objeto da investigação ab initio, com efetivo exercício dos poderes de direção por parte da autoridade judiciária que preside a cada uma das fases processuais, sem medo e sem tolerar manobras e expedientes dilatórios.
Não cumpre ao Ministério Público e aos Tribunais salvar o país da corrupção ou de outros fenómenos criminosos, mas sim assegurar a justiça possível.
Mas isto leva-nos ao cerne da questão.
A avaliação do sistema de justiça não se pode fundar em meia dúzia de processos mediáticos.
A verdade é que nos últimos vinte anos a justiça tem evoluído positivamente e oferece hoje uma resposta mais eficaz e de maior qualidade em quase todas as áreas.
Mas mesmo nesses processos mediáticos exigia-se um trabalho de investigação e avaliação mais sério e profundo.
Seria importante investigar e perceber o que determina que um determinado processo demore dez ou mais anos até ter uma decisão definitiva e perceber se, efetivamente, era possível fazer mais rápido e melhor.
Por outro lado, quando se defende uma maior intervenção política no sistema de justiça a bem da sua eficiência, cumpre apreciar se o poder político está em condições de a garantir e, na nossa opinião, a resposta só pode ser negativa.
A verdade é que se o sistema de justiça é lento, o que é certo é que vai funcionando; já o sistema político tem sido totalmente inexistente na deteção e fiscalização dos casos de corrupção ou da criminalidade económico-financeira.
Se os sistemas preventivos que têm de ser assegurados pelo poder político tivessem funcionado, os casos que hoje discutimos publicamente, alguns deles ostensivos, tinham sido detetados em devido tempo e, seguramente, a resposta do Ministério Púbico e dos Tribunais também teria sido mais célere.
Se o poder político é totalmente inexistente no exercício das suas competências em matéria de prevenção da corrupção e outros fenómenos criminais, também não acreditamos que uma maior intervenção do poder político possa trazer algo de positivo para o sistema de justiça.
A celeridade da justiça não depende de uma maior intervenção do poder político, mas sim que este exerça a sua função no domínio da prevenção criminal.
Votos de um Bom Ano.
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