O modelo de Ministério Público que temos, surgiu logo após o 25 de abril de 1974, com a Constituição da República de 1976 e com a Lei Orgânica do Ministério Público de 1978.
Até então uma magistratura vestibular em relação à magistratura judicial operou-se a completa separação entre as duas magistraturas e consagrou-se uma autonomia real e efetiva do Ministério Público em relação ao poder político.
Desde então o Ministério Público foi-se estruturando e adaptando às múltiplas competências que lhe estão estatutariamente atribuídas e que vão, muito além do domínio penal, sendo de destacar a sua essencialidade na evolução do sistema de defesa e promoção dos direitos e interesses das crianças, jovens, idosos, adultos com capacidade diminuída, bem como de outras pessoas especialmente vulneráveis ou o seu papel nuclear na efetivação do acesso ao direito por parte dos trabalhadores.
É, contudo, no domínio do exercício da ação penal, isto é, da direção do inquérito penal, que o Ministério Público tem assumido maior visibilidade e que lhe confere a sua nota mais proeminente enquanto magistratura dotada, nesse exercício, de poderes de autoridade equiparáveis à magistratura judicial.
Porém, não obstante, ter esses poderes desde a reforma do processo penal de 1987, enquanto se dedicou aos crimes dos “pilha galinhas” nunca ninguém questionou a sua autonomia, a sua forma de organização ou mesmo o modo de funcionamento da sua hierarquia.
Apenas com o advento das investigações que envolveram políticos e pessoas com relevância nos setores económico e financeiro é que as atenções se voltaram para o Ministério Público e as tentações de colocar um “cabresto” à sua atuação começaram a subir de escalada.
Agora que o Ministério Público, não obstante a escassez gritante de meios, se estruturou e organizou internamente, e está a dar resposta e a investigar os ditos crimes de “colarinho branco” ou seja, crimes de corrupção, branqueamento de capitais, fraude fiscal, entre outros no domínio da criminalidade económico-financeira, com elevada danosidade não só para os interesses individuais, mas também para o erário público, é que passou a ser uma preocupação para alguns.
Ninguém fala dos milhares de processos que têm um tempo de duração razoável e todos os dias terminam nos nossos tribunais, porque obviamente não são notícia.
Os crimes mais noticiados são os que envolvem figuras com notoriedade pública.
Têm em regra uma investigação mais complexa e morosa, por diferentes razões, mas têm também arguidos com elevado poder económico que lhes permite esgotar todas as possibilidades processuais, indo muito além do que é o uso normal dessas possibilidades e protelando o processo até ao limite.
Seria saudável ver, se aqui há umas dezenas de anos se falaria daquele tipo de processos. Por certo que não, porque nem sequer havia o atrevimento de os instaurar.
Aos políticos, no coro de críticas ao Ministério Público e nas tentativas de condicionarem a sua atuação, junta-se um pequeno grupo de advogados, sempre os mesmos, que usam e abusam dos órgãos de comunicação social para desferirem ataques àquela magistratura, falando de forma aberta sobre processos concretos sem que a respetiva Ordem atue, aproveitando-se, de forma cobarde, do facto de os magistrados não os poderem contraditar porque sujeitos a um exigente dever de reserva.
Fazem-no em obediência aos lobbys de interesses que representam. Aliás, muitos deles têm fortes ligações aos aparelhos partidários, se não mesmo fazem parte desses aparelhos; com grande poder de conformação das leis quando não são mesmo os seus autores; e, que têm sido um forte obstáculo a que se ponha termo ao uso de expedientes dilatórios e a práticas abusivas e de má fé processual.
A única preocupação que lhes assiste é condicionar as investigações a um prazo curto, de preferência perentório, para dessa forma inviabilizarem qualquer investigação no domínio da corrupção, da lavagem de dinheiro ou da mais complexa criminalidade económico-financeira.
Também lhes interessa propalar que o Ministério Público não tem falta de meios; que a Polícia Judiciária não tem falta de meios; socorrendo-se de dados do orçamento do Estado sobre o investimento na justiça, mas omitindo dolosamente que esse investimento não é para o Ministério Público, a Polícia Judiciária ou a investigação criminal.
A falta de meios é gritante, notória, apenas não entra “pelos olhos dentro” daqueles a quem interessa que o Ministério Público não exerça as suas funções com total autonomia.
A autonomia do Ministério Público é o garante de que a justiça é para todos e não só para alguns.
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