O Ministério Público é claramente o parente pobre dos Tribunais.
Não obstante estar legalmente estabelecido o paralelismo entre as magistraturas desde os tempos da monarquia constitucional, princípio consolidado no período democrático, logo na primeira Lei Orgânica do Ministério Público, aprovada pela Lei n.º 39/78, de 5 de julho, com desenvolvimento nas subsequentes versões do Estatuto do Ministério Público, até à data de hoje, o certo é que os sucessivos Governos sempre violaram tal princípio ao não garantirem idênticas condições físicas nos edifícios dos Tribunais aos juízes e aos magistrados do Ministério Público.
Tal acontece na própria distribuição dos espaços entre os que são destinados aos juízes e aos magistrados do Ministério Público, onde a regra é a atribuição dos melhores espaços e que têm melhores condições àqueles em detrimento destes, como as solicitações daqueles são sempre mais rápida e facilmente atendíveis pela Direção Geral da Administração da Justiça.
Para além disso são muitas as situações em que os magistrados do Ministério Público são obrigados a partilhar os gabinetes, coisa que nunca acontece com os juízes.
Por outro lado, enquanto são sempre previstas nos edifícios dos tribunais salas de audiência para os juízes realizarem diligências e julgamentos, no que tange ao Ministério Público são raros os edifícios onde foram previstas salas para os magistrados e técnicos de justiça poderem realizar diligências como ouvir testemunhas ou arguidos ou efetuarem o atendimento ao público na área das jurisdições laboral e de família, crianças e jovens.
Pelo que a realidade nos vários serviços do Ministério Público ao longo do país é testemunhas e arguidos serem ouvidos nas secções à frente de todos os oficiais de justiça ou nos gabinetes de magistrados (muitas vezes partilhados) sem que seja assegurado o direito a serem ouvidos em ambientes adequados, com garantia da sua privacidade e intimidade.
Com a Lei da Organização Judiciária aprovada em 2013 e que entrou em vigor em 2014 e a previsão de um órgão de gestão das comarcas com preponderância do juiz presidente, a violação do princípio do paralelismo entre as magistraturas ainda mais se agudizou, com a relegação do magistrado do Ministério Público coordenador para um lugar subalterno e de reduzido grau de influência nas decisões daquele órgão.
O problema que trago à colação não reside só na perspetiva das condições de trabalho claramente sofríveis em que magistrados e funcionários do Ministério Público exercem as suas funções e que só por si seriam motivo de atenção, mas numa violação gritante por parte do Estado Português das convenções internacionais no que tange às condições de inquirição das vítimas dos crimes de violência doméstica e de género ou de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.
As convenções nessa matéria e que vinculam o Estado Português obrigam-no a criar condições para que as vítimas desses crimes, onde se incluem crianças, sejam ouvidas em espaços próprios e adequados, com respeito pela privacidade e intimidade das mesmas, o que claramente não é assegurado quando o Ministério Público, titular do inquérito, não tem afetos espaços que garantam tais condições.
Se os sucessivos Governos não têm assegurado ao Ministério Público as necessárias condições ao exercício das suas funções com autonomia, talvez porque por algum objetivo menos revelado lhes interesse mante-lo num estado de insuficiência crítica de meios e condições de trabalho, pelo menos garantam o cumprimento do que decorre dos acordos internacionais a que se vinculou o Estado Português e que seja uma prioridade do poder executivo dotar todos os serviços e departamentos do Ministério Público de salas próprias e adequadas para inquirição de testemunhas e arguidos, com disponibilização de sistemas de audição por videoconferência e gravação de imagem e som, de forma a que esta magistratura possa dar cumprimento integral ao que resulta de tais instrumentos internacionais e que garanta que as vítimas, especialmente as mais vulneráveis, sejam ouvidas em condições que salvaguardem a proteção da sua privacidade, identidade e imagem.
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