As primeiras definições de alimento, do latim alimentum, cujo étimo latino está relacionado com o verbo alere, significava desenvolver, animar, fazer crescer. Os alimentos, como base da saúde humana, sempre necessitaram de ser classificados. E desde sempre, existiu a classificação de alimento perigoso, venenoso ou a não comer, que era necessário comunicar a toda a comunidade. Por este motivo, desde que o homem começou a escrever, começou também a catalogar e a comunicar sobre o que comer e não comer. Não é, pois, de estranhar, que o Antigo Testamento, o Corão e os livros de Levítico e Deuteronómio da Tora estejam impregnados de leis alimentares sobre o que comer e não comer.
Com a evolução do conhecimento científico nas ciências da nutrição a partir do Séc. XX, vai ficando claro que os nutrientes essenciais ao bom funcionamento do organismo distribuem-se de forma ampla na natureza e que um só alimento, por mais completo que seja, não fornece todos os nutrientes necessários ao bom funcionamento do organismo. Por outro lado, são muitos os alimentos que se complementam. Ou seja, quando dois ou três alimentos estão presentes ao longo do dia ou refeição, a absorção de nutrientes é potenciada. Esse conhecimento de base científica é exponenciado empiricamente em muitas cozinhas do mundo que juntam por exemplo, o feijão e o arroz, o grão e o pão para obter proteína de maior qualidade. Ou o peixe gordo como a cavala ou o salmão com as crucíferas como a couve galega ou brócolos (Vit.D + Cálcio) ou ainda a carne de vaca e o sumo de laranja (Ferro + Vit. C) apenas para dar alguns exemplos.
Este conhecimento científico, de que é necessário comer de forma variada para obter os diversos nutrientes necessários ao bom funcionamento do organismo, sendo verdadeiro, foi, apesar de tudo, sublinhado em tempos em que era difícil variar ou pelo menos, quando era mais comum comer sempre a mesma coisa. Isto em função do que a terra dava e quando a disponibilidade alimentar era escassa. E numa época alimentar em que a oferta de produtos alimentares com quantidades excessivas de sal, açúcar, calorias e aditivos artificialmente adicionados aos alimentos para os tornar mais apelativos era muito baixa, o que não acontece nos dias de hoje.
Com o aumento da tecnologia alimentar, com o aumento da capacidade de transporte e de conservação é hoje possível encontrar à nossa disposição uma quantidade quase incontável de alimentos. Estima-se que quando um de nós entra num hipermercado pode encontrar mais de 40 000 itens quando nos anos 90 esse valor não excedia os 7 000. Se nestes espaços existir à venda uma proporção elevada de produtos alimentares que quando consumidos regularmente podem afetar a nossa saúde (a baixos preços e bastante publicitados), variar dentro de escolhas de menor qualidade nutricional, não significa proteger a saúde. Pelo contrário, dará uma falsa segurança de se estar a comer de forma variada e saudável, quando o que se está a fazer é uma alimentação monótona de nutrientes, ou seja, sempre a mesma quantidade excessiva de açúcar, sal, gordura e calorias que acabará por ter consequências.
Este modelo de consumo alimentar, potenciado pelo falta de conhecimento, pelo pouco tempo disponível para pensar o que se compra, pela disponibilidade elevada de produtos alimentares de menor qualidade nutricional a baixo preço e bastante promovidos e pela menor capacidade económica, pode ajudar a explicar o crescimento das doenças de base alimentar um pouco por todo o mundo. Entre nós, mais de 5 milhões de portugueses sofrem de excesso de peso, perto de 1 milhão de diabetes e mais de 3 milhões de hipertensão. Esta catástrofe alimentar, apesar do esforço das autoridades da saúde e de alguma indústria e distribuição alimentar, significa que uma percentagem elevada da população continua a consumir ao longo do dia, diversos alimentos que não são promotores da saúde e que podemos considerar “não saudáveis” como o fazem diversas instituições. Por exemplo, a reputada “American Heart Association” no seu site alerta para o facto dos alimentos não saudáveis serem geralmente alimentos com elevados níveis de processamento, pobres em nutrientes (vitaminas, minerais e antioxidantes) e quantidades elevadas em sal ou açúcar. De igual forma, também o Ministério da Saúde Brasileiro definiu em 2019 no seu “Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 anos” o conceito de “alimentos ultraprocessados” para definir alimentos menos saudáveis – “produzidos pela indústria por meio de várias técnicas e etapas de processamento. Com frequência são feitos com cinco ou mais ingredientes e apresentam excesso de sal, açúcar, óleos, gorduras e aditivos alimentares (corantes artificiais, conservantes, adoçantes, aromatizantes, realçadores de sabor, entre outros, não utilizados em casa”. A DGS definiu alimentos proibidos de serem publicitados para crianças utilizando o referencial da Organização Mundial da Saúde. Emílio Peres, considerado o pai dos nutricionistas portugueses, alertava para a “comida lixo” atualmente designada de “junk food” que começa a ser utilizado como conceito autónomo pelos grandes especialistas desta área como Barry Popkin que em julho deste ano publicou – “Junk Food Intake Among Adults in the United States”.
Independentemente do acerto das designações, parece existir uma categoria de alimentos verdadeiramente desnecessária à nossa saúde e à saúde do planeta. Alimentos não necessários ao normal funcionamento do nosso organismo, supérfluos, geralmente vazios de nutrientes, em muitos casos altamente calóricos e contribuintes para o desenvolvimento de doença de base alimentar, e que podem agravar o nosso estado de saúde. Alimentos que para serem produzidos poluem o planeta sem qualquer mais-valia nutricional para os seres humanos, como bolos, guloseimas, refrigerantes ou snacks salgados, produtos alimentares que aliás não estão presentes no guia alimentar nacional que é a Roda dos Alimentos.
Poderíamos chamar a estes alimentos “Junk food”, “comida lixo”, “lixo alimentar”, “alimentos de má qualidade nutricional”, “alimentos não saudáveis”, “alimentos a evitar”, mas talvez a melhor definição para estes alimentos é a de serem desnecessários, verdadeiramente desnecessários, podendo ser substituídos por dezenas de outros alimentos, igualmente saborosos, mais amigos do meio ambiente e acima de tudo que adicionam valor (nutrientes) à nossa saúde e bem-estar. Os alimentos desnecessários podem ser consumidos por prazer, por desconhecimento, porque são altamente publicitados, porque são baratos, por conveniência e por muitas outras razões da esfera e liberdade individual, mas não faz sentido estarem disponíveis em espaços públicos mandatados para serem espaços de educação e promoção da saúde dos cidadãos. Como é o caso da escola.
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