Os magistrados do Ministério Público que não bastava estarem já sobrecarregados com processos (pela insuficiência de magistrados), são constantemente instados pelas diversas estruturas hierárquicas com poderes de gestão a fornecer um conjunto de números, relatórios e informações.
A mais recente decorre da deliberação do Conselho Superior do Ministério Público que define um conjunto de orientações para o Ministério Público durante a vigência da Lei n.º 4-B/2021, de 21 de fevereiro e onde se prevê uma monitorizarão o trabalho desenvolvido pelos magistrados colocados na respetiva área de jurisdição.
Em consequência e de forma a dar resposta à referida monitorização alguns magistrados coordenadores de comarca começaram já a solicitar aos magistrados que mensalmente enviem uma listagem de todas as conclusões e vistas da responsabilidade de cada magistrado do MP que estejam por despachar; listagem dos despachos finais que cada magistrado proferiu no período em causa; listagem dos despachos interlocutórios proferidos nos processos por cada um dos magistrados; listagem das ações/contestações/requerimentos/reclamações de créditos apresentados por cada magistrado (cível, família e menores, trabalho, comércio e execuções) e listagem dos processos/dossiers administrativos que tenham findado também nesse período.
Prática que já vem sido habitual mesmo fora deste contexto e em que cada vez mais se exige aos magistrados que para além de todo o trabalho que lhes compete, de terem muitas vezes que acumular o seu serviço com o de outros por insuficiência do quadro de magistrados, tenham de despender o seu tempo, já manifestamente escasso, para preencher mapas e mais mapas, responder a ofícios de vários graus hierárquicos e muitas vezes tendo que responder a mesma coisa a cada um dos graus hierárquicos.
Após a reforma judiciária de 2014 multiplicaram-se no seio do Ministério Púbico um conjunto de estruturas hierárquicas de gestão, como são exemplos os Procuradores Gerais Regionais, os coordenadores de comarca, os coordenadores setoriais, cuja atividade muitas vezes se esgota na elaboração de relatórios e mapas estatísticos, sobrecarregando os magistrados constantemente com pedido de números e mais números.
Ao invés de se ter instalado uma verdadeira cultura organizacional, com modelos de comunicação e gestão de desempenho que exigem o apelo ao conceito de inteligência organizacional, onde são fatores essenciais a proximidade, a entreajuda, a motivação, o conhecimento dos magistrados, optou-se pela tirania dos números.
A cultura organizacional que se tem instalado não é de motivação, mas de intimidação.
O que é relevante para estas estruturas de gestão do Ministério Público é apresentar uma diminuição de pendências e não, assegurar uma justiça melhor e mais eficiente.
Os objetivos são definidos pela hierarquia sem conhecimento da realidade, de cada um dos concretos serviços e das condições em que é prestado, e se é ou não possível alcançar tais objetivos naquelas concretas condições de trabalho.
Também lhes é indiferente o sacrifício pessoal e familiar que é imposto aos magistrados e se aquilo que lhes é pedido é ou não razoável.
O que importa são os números e só os números.
Mas além da exigência dos números ainda sobrecarregam os magistrados com a imposição de que sejam os mesmos, assoberbados de trabalho, a terem que fornecer esses dados à hierarquia, quando poderiam obtê-los diretamente no sistema informático ou junto dos serviços.
A definição de objetivos processuais não deve ser um mero exercício inconsequente de uma imposição, mas deverá ser direcionada à solução dos reais problemas de cada um dos serviços do Ministério Público.
Para que se alcance o desiderato pretendido, isto é, uma justiça melhor, mas célere e mais eficiente, é necessário que os órgãos de gestão do Ministério Público em vez de sobrecarregarem os magistrados com mais burocracia e preenchimento de mapas, exijam do poder executivo mais magistrados, melhores condições de trabalho, mais e melhores meios para o Ministério Público.
Se o Ministério Público tem obtido bons resultados tal não se deve ao labirinto dos números em que se movem as estruturas de gestão dos magistrados, mas sim ao empenho, à dedicação e ao esforço dos magistrados do Ministério Público.