A concessão de alguns poderes às estruturas centrais (Procurador Geral Europeu, Colégio, Câmaras Permanentes) poderá ser encarado, por alguns, como uma forte limitação à autonomia interna dos procuradores europeus delegados e seja usado, do ponto de vista interno, como padrão comparativo inspirador ou justificativo da Diretiva 4/2020 emitida pela Procuradora-Geral da República e relativa ao exercício de poderes hierárquicos em processo penal.
Uma leitura mais atenta do Regulamento da Procuradoria Europeia permitirá, no nosso entendimento, perceber que a Diretiva da PGR consagra um entendimento bem mais aniquilador da autonomia interna dos magistrados que aquele.
A Procuradoria Europeia é, ainda, um instrumento de cooperação entre estados, pelo que a necessidade de assegurar a coerência da sua ação e, por conseguinte, uma proteção equivalente dos interesses financeiros da União tornou premente uma arquitetura organizacional e do processo decisório interno de molde a permitir à Procuradoria Central o acompanhamento, a orientação e a supervisão de todas as investigações e ações penais levadas a cabo pelos Procuradores Europeus Delegados.
Nesse contexto o regulamento prevê três ordens de comandos de supervisão: “supervisão geral” – a administração geral das atividades da Procuradoria Europeia, em que apenas são dadas instruções sobre questões que têm para esta uma importância horizontal; “acompanhamento e orientação” – deverão ser entendidas como as competências para acompanhar e orientar as investigações e ações penais individuais; “supervisão” como uma fiscalização mais estreita e contínua das investigações e ações penais, que inclui, sempre que necessário, a intervenção e a formulação de instruções sobre questões relativas às investigações e ações penais.
A previsão de poderes de acompanhamento, orientação e de supervisão não significam que o Procurador Europeu Delegado está sujeito a quaisquer ordens ou instruções dos Procuradores Europeus e das Câmaras Permanentes dirigidos a uma concreta investigação por si dirigida, designadamente a possibilidade de determinar a realização ou não realização de diligências.
Para além do poder de dar instruções em casos concretos ao Procurador Europeu Delegado competente apenas estar cometido a um órgão colegial, a Câmara Permanente competente, e não ao Procurador Europeu supervisor, o mesmo está sujeito a limitações.
Desde logo, está limitado pelo direito nacional aplicável, isto é, no nosso caso está sujeito aos limites da intervenção hierárquica consagrados no Código de Processo Penal e, para além disso, as instruções apenas podem ser dadas quando tal for necessário para a direção eficiente da investigação ou ação penal, no interesse da justiça ou a fim de assegurar a coerência de funcionamento da Procuradoria Europeia.
Outro aspeto importante é que todas as decisões tomadas e instruções dadas são registadas por escrito e são parte integrante do processo e não em qualquer dossiê paralelo e estranho ao processo, assegurando dessa forma a sua sujeição ao controlo dos sujeitos processuais.
Por outro lado, parâmetros como a independência, imparcialidade e legalidade que vêm consagrados no Regulamento devem ser sobretudo entendidos como modos de atuação em concreto (law in action), nos casos reais, e menos como meras consagrações formais e solenes (law in books) e que se concretizam pela necessidade de assegurar um elevado grau de autonomia aos Procuradores Europeus Delegados.
Como vemos, a possibilidade de dar instruções em processos concretos, resulta mais da necessidade de cooperação, coordenação e articulação entre os Procuradores Europeus Delegados, pelo facto de as investigações em causa serem transfronteiriças, do que uma qualquer pretensão de esvaziamento da autonomia interna, técnica e tática, dos mesmos, sendo esta um garante da independência, imparcialidade, legalidade e equidade da própria Procuradoria Europeia.