O Tribunal de Justiça da União Europeia tem entendido que a competência para a emissão do Mandado de Detenção Europeu, nos Estados-membros cuja competência para o exercício da ação penal está atribuída ao Ministério Público, pressupõe que esteja garantido plenamente a impossibilidade de interferência do poder político.
Com efeito terão de ser dadas garantias pelo EM de que o Ministério Público atua de forma independente no exercício das suas funções e que existam regras estatutárias e organizativas adequadas para garantir que a autoridade judiciária de emissão não corra nenhum risco de estar sujeita nomeadamente a uma instrução individual da parte do poder executivo.
O entendimento perfilhado pela Procuradora Geral da República, na Diretiva 4/2020, quanto ao exercício de poderes hierárquicos em processo penal, transforma o Ministério Público num corpo de funcionários administrativos subordinados a ordens concretas de uma hierarquia que no topo tem a PGR que é nomeada e pode ser exonerada pelo Presidente da República sob proposta do Governo.
Para além disso, tem a PGR o poder de escolher os Procuradores-Gerais Regionais e o Diretor do DCIAP e, por sua vez, os primeiros o poder de escolher os Diretores dos DIAP´s Regionais e, por conseguinte, de conformar os principais graus hierárquicos do Ministério Público.
Com um PGR escolhido politicamente e que tem o poder de conformar a hierarquia, a autonomia em relação ao poder executivo (autonomia externa) não está devidamente assegurada sem estar garantida a autonomia interna dos magistrados, designadamente quando nos debruçamos sobre os poderes de intervenção hierárquica no processo penal e, nomeadamente, no núcleo essencial da autonomia do MP que é o da condução do inquérito.
A intervenção da hierarquia na condução tática e técnica da investigação operada pelo magistrado individual ou equipa de magistrados na decisão do seu processo cria as condições para uma gestão processual instrumental e instrumentalizada.
A negação da capacidade de decisão e competência autónoma aos seus magistrados é potenciadora de mecanismos de controlo político e hierárquico mais ou menos explícitos, mais ou menos encapotados.
No âmbito da cooperação judiciária internacional ao nível penal tal poderá comprometer a confiança no Ministério Público português enquanto autoridade judiciária.
A possibilidade de uma intervenção hierárquica para além das situações expressamente previstas no Código de Processo Penal, pouco transparente e sem limites compromete a independência do Ministério Público em relação ao poder executivo.
No âmbito da condução do inquérito, os magistrados do MP não podendo estar sujeitos a constrangimentos da hierarquia que restrinjam a sua capacidade de atuar de forma autónoma, devendo a sua atuação estar única e exclusivamente subordinada à lei.
Só assim o MP pode continuar a ser considerado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia como autoridade judiciária no sentido de garante dos direitos e liberdades individuais e com capacidade de apreciar com independência a necessidade e o caráter proporcionado da emissão do mandado de detenção europeu.
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