A procuradoria europeia deverá entrar em funcionamento até finais de 2020, após um período de três anos de instalação.
Criada através de um mecanismo de cooperação reforçada através do qual 16 dos Estados-Membros decidiram dar cumprimento ao previsto no Tratado de Funcionamento da União Europeia no título relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça, conta atualmente com 22 participantes.
A Procuradoria Europeia efetuará investigações transfronteiras relativas à fraude que envolva fundos da UE num montante superior a 10 000 euros ou a casos de fraude transfronteiras ao IVA que envolvam prejuízos superiores a 10 milhões de euros, quanto aos crimes de branqueamento de capitais, corrupção, apropriação ilegítima lesivos dos interesses financeiros da UE e a título secundário quanto às infrações relativas à participação numa organização criminosa se a atividade criminosa dessa organização consistir sobretudo na prática daquelas infrações.
Nos termos do respetivo Regulamento compete à Procuradoria Europeia investigar, instaurar a ação penal e deduzir acusação e sustentá-la na instrução e no julgamento contra os autores e seus cúmplices. Para o efeito, a Procuradoria Europeia faz as investigações e pratica os atos próprios da ação penal, exercendo a ação pública perante os órgãos jurisdicionais competentes dos Estados-Membros até que o processo seja arquivado.
Neste momento em que a Procuradoria Europeia vai iniciar o seu trabalho com processos concretos e se fala já num número de três mil processos sinalizados pelos Estados são mais as dubiedades do que as certezas quanto à eficácia da sua atuação.
Embora não se questione a necessidade de se obterem melhores resultados no combate à criminalidade lesiva dos interesses financeiros da UE e se veja na Procuradoria Europeia um sinal de esperança para se cumprir tal desiderato não podemos esquecer a natureza política da criação da Procuradoria Europeia e que não obstante o cuidado do Regulamento comunitário que estabelece o seu regime em serem estabelecidas garantias institucionais para garantir a sua autonomia e independência, é necessário que efetivamente exista tal independência em relação ao poder executivo ou qualquer outra autoridade nacional, designadamente no que concerne aos Procuradores Europeus Delegados.
Não podemos ignorar que o Ministério Público assume natureza e estrutura diversa nos 22 Estados participantes, desde o caso português em que é uma magistratura e goza de total autonomia em relação ao poder político a outros em que preservando alguma autonomia na prática judiciária mais comum, ainda assim mantêm, constitucional e legalmente, laços de subordinação ao Executivo, que podem ser ativados em casos politicamente mais significativos.
Os Procuradores Europeus Delegados continuam subordinados ao processo classificativo e disciplinar dos EM a que pertencem, não exigindo o Regulamento para instituição da Procuradoria Europeia exclusividade para o exercício de funções próprias da mesma, podendo simultaneamente exercerem funções da competência exclusiva do Estado de que são originários, pelo que a garantia concedida de que não poderão ser objeto de medidas disciplinares por motivos relacionados com as suas responsabilidades decorrentes do exercício de competências próprias da Procuradoria Europeia sem o consentimento do Procurador-Geral Europeu pode não ser suficiente para garantir a sua real autonomia e independência em relação ao poder executivo dos Estados respetivos.
Um dos principais desafios é a interligação entre o Estatuto da Procuradoria Europeia e os Estatutos dos Ministérios Públicos dos diversos Estados-membros.
Seria importante que a instituição da Procuradoria Europeia desencadeasse uma reforma dos Ministérios Públicos dos Estados Membros participantes, sobretudo daqueles que menos se aproximam do modelo de autonomia e independência preconizado pela Procuradoria Europeia, e de que deveria servir de exemplo padrão o sistema português.
Assentando a Procuradoria Europeia num regime de competências partilhadas entre a Procuradoria Europeia e as autoridades nacionais na luta contra as infrações lesivas dos interesses financeiros da União, a sua operacionalidade e eficácia depende de uma cooperação leal entre os Estados participantes e uma confiança mútua nas instituições de cada um dos Estados, designadamente, na autonomia e independência do MP, sob pena de assistirmos a um funcionamento assimétrico e desigual nos vários Estados.
Os desafios e complexidades que a Procuradoria Europeia enfrenta são inúmeros, e caem em diferentes domínios (institucionais, processuais e substantivos), cobrindo temáticas como as relacionadas com a estrutura da Procuradoria Europeia e sua interseção com os sistemas nacionais, as do exercício da ação penal, do controlo judiciário e da intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia e as da própria definição do âmbito material de atuação da Procuradoria Europeia.