A Diretiva 4/2020, da PGR estabelece que as ordens e instruções que se destinem a produzir efeitos num determinado processo, e que não constituam atos processuais em sentido próprio, são sempre reduzidas a escrito e registadas pelo hierarca que as emana em “dossiê” de preparação e acompanhamento, já instaurado ou a instaurar.
A figura do dossiê de preparação e acompanhamento é usado pelo Estatuto do Ministério Público para a intervenção principal ou acessória do MP quando representa o Estado, os ausentes, os incapazes, as crianças e jovens, os trabalhadores ou os interesses coletivos ou difusos, ou seja, quando assume uma posição de parte e tendo em vista a recolha de elementos com vista à propositura de uma ação ou ao acompanhamento da mesma em tribunal.
Não prevê o EMP qualquer referência à figura do dossiê de preparação e acompanhamento no âmbito do processo penal, quando o MP assume a posição de titular da ação penal, a quem foi legalmente confiado o “dominus” de uma fase processual – o inquérito e que tem o estatuto de uma verdadeira magistratura e não de parte, orientando toda a sua atuação por critérios de estrita objetividade e legalidade.
De qualquer forma nada esclarece a Diretiva quanto aos critérios a que devem obedecer a criação, o registo e a tramitação daqueles dossiês, tal como impõe o EMP.
Também nada refere quando ao momento de criação dos referidos dossiers pelos superiores hierárquicos, isto é, devem ser criados sempre que é instaurado um inquérito; só nalguns inquéritos e, então, em quais? ou só são criados quando o superior hierárquico der uma ordem e para a documentar? nesse caso, um por ordem ou um por processo?
A Diretiva também nada diz quando ao momento em que pode intervir e se a intervir só o pode fazer num único momento ou pode fazê-lo várias vezes ao longo do inquérito tornando a direção do inquérito verdadeiramente bipolar, com ordens e desordens.
Será que tendo o titular do inquérito promovido buscas domiciliárias e sendo as mesmas ordenadas pelo Juiz de Instrução Criminal poderá o superior hierárquico impedir a sua realização? Ou obstar a que se façam em parte?
A Diretiva da PGR abre as portas à arbitrariedade, ao desconcerto e à incoerência no exercício da ação penal que contribuirão seguramente para o enfraquecimento da legitimidade do MP e para a fragilização da sua posição como magistratura e como titular de uma fase processual.
A possibilidade conferida ao superior hierárquico de oficiosamente dar ordens e instruções concertas com repercussão num determinado processo e a que os sujeitos processuais poderão ter acesso torna ainda possível que estes possam constantemente questionar a direção do inquérito pelo respetivo titular.
Quer do lado do assistente ou denunciante, que não concordando com o rumo da investigação, pode estar constantemente a efetuar requerimentos dirigidos ao superior hierárquico a exigir a sua intervenção no sentido de conformar o inquérito de acordo com as suas pretensões.
Mas igualmente e seguramente pelo lado da defesa que a partir do momento em que tome conhecimento do inquérito questionará todas as diligências que sejam efetuadas no mesmo, exigindo que o superior hierárquico se pronuncie e dê a sua concordância às mesmas.
Tudo isto assumirá seguramente contornos mais gravosos nos processos mediáticos, no domínio da criminalidade económico-financeira e da corrupção, contribuindo para novas formas de bloqueio à celeridade dos inquéritos, com sucessivas interpelações ao superior hierárquico para intervir no processo e dessa forma obstaculizando ao andamento do mesmo.
A Diretiva não só é manifestamente ilegal como contribui para a deslegitimação do MP enquanto autoridade judiciária e titular da ação penal e como fator de entrave ao andamento dos processos.