O Tribunal Central de Instrução Criminal e os juízes que o integram têm sido alvo das atenções mediáticas e das críticas de alguns que defendem mesmo que existe na sua composição uma violação do princípio do juiz natural por nele apenas estarem colocados dois juízes.
Desde já começamos por adiantar que a composição do “Ticão” não viola o princípio do juiz natural ou qualquer outro.
Basta pensarmos que a regra de composição dos juízos de instrução criminal nas várias comarcas do país, com exceção do Porto e Lisboa, é de um ou dois juízes e sem que, quanto aos mesmos, alguém invoque a violação do princípio do juiz natural.
O Tribunal Central de Instrução Criminal tem a sua competência material definida na Lei de Organização Judiciária e os juízes que o compõem foram lá colocados segundo as regras de movimento previstas no respetivo estatuto e iguais às de colocação em qualquer outro tribunal.
Ora, o princípio do juiz natural constitui uma emanação do princípio da legalidade em matéria penal, tendo a ver com a independência dos tribunais perante o poder político e proibindo ‘a criação (ou a determinação) de uma competência ad hoc (de exceção) de um certo tribunal para uma certa causa — em suma, os tribunais ad hoc’.
Dúvidas não restam que a competência do “TICÃO” está legalmente conformada, os juízes que nele desempenham funções estão ali colocados de acordo com as regras estatutárias do movimento e a distribuição entre os mesmos é aleatória e efetuada nos termos da lei processual.
Não existe, pois, qualquer atribuição de um processo concreto a um determinado juiz escolhido.
A sua composição e forma de funcionamento é idêntica à de qualquer outro juízo de instrução criminal existente no país e sem que a composição dos mesmos seja objeto de tanta atenção e sindicância, sendo que em qualquer deles com mais de um juiz existem sensibilidades e formas de atuar diversas.
Então, porque se ouvem tantas críticas à composição do “TICÃO” e se escrutinam minuciosamente as decisões dos dois juízes que o compõe, se contam os recursos ganhos e perdidos, se criam rótulos – um é a favor da acusação, o outro da defesa – e surgem pelas redes sociais manifestações de apoio?
A resposta reside no tipo de processos tramitados no Tribunal Central de Instrução Criminal, no âmbito dos crimes de “colarinho branco” e com arguidos “famosos”, desde políticos a banqueiros, gestores e administradores de grandes empresas públicas e privadas.
A concentração de grande parte dos processos mediáticos e que envolvem pessoas mediaticamente relevantes em apenas dois juízes torna este tribunal alvo da instrumentalização e da crítica fácil, levada a efeito pela defesa dos arguidos para através da hipervalorização de algumas das decisões de um num certo sentido “pró acusação” e do outro “pró defesa”, pôr em causa a imparcialidade das decisões proferidas e exercer uma pressão mediática e constante sobre o tribunal de forma a obterem decisões favoráveis aos seus interesses e descredibilizarem a justiça.
Não obstante este aproveitamento manifesto e a crítica ser muita das vezes injustificada, certo é que a exposição mediática dos dois únicos juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal, sobretudo se alimentada pelos próprios e pela necessidade de protagonismo, pode conduzir a resultados prejudiciais ao bom funcionamento da justiça e ao grau de confiança dos cidadãos na mesma.
Mas este não é um problema decorrente de qualquer violação do princípio do juiz natural ou outro, mas sim da própria natureza humana dos juízes que em cada momento possam vir a estar colocados no “TICÃO” e da sua maior ou menor capacidade de resistência ao protagonismo e a serem influenciados pela pressão exercida através do circo mediático instalado à sua volta.