No meio da pandemia e do confinamento fomos confrontados com a morte de Valentina, alegadamente às mãos do pai com a conivência da madrasta. Quando estes casos acontecem forçam-nos, enquanto sociedade, a refletir sobre o modo e o modelo de proteção das crianças.
As Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em Risco- CPCJ, na segunda linha de intervenção do sistema de promoção e proteção de menores, depois da família e da comunidade e antes do Ministério Público e dos Tribunais, acompanham em Portugal 43 mil crianças, o que significa o envolvimento de muitos técnicos e técnicas e de um trabalho que se quer de proximidade e de acompanhamento regular.
As CPCJ têm limitações na sua atuação, são entidades cuja intervenção depende do consentimento dos pais e das crianças com mais de 12 anos. É verdade que caso não obtenham esse consentimento, mas existam indícios suspeitos, devem as CPCJ comunicar a situação ao Ministério Público e ao Tribunal. Mas nada garante que o processo não é arquivado.
No caso da Valentina, a CPCJ de Peniche é chamada quando, em 2019, a criança foge de casa do pai. Na altura, o processo foi arquivado. Segundo as notícias, na altura não havia indícios de nada suspeito. Apenas uma criança que estava desadaptada à nova realidade familiar. Hoje há uma averiguação pelo Ministério Público da forma como o processo foi tratado, o que não significa que o tratamento dado foi desadequado, porque estas situações são dinâmicas e não é líquido que houvesse indícios do que levaria a esta tragédia.
A verdade é que o encerramento da escola, o confinamento e a necessidade de acesso à internet foram causas divulgadas como razões que levaram Valentina a ir para casa do pai, mas também ninguém sabe se nas circunstâncias habituais, numa visita de fim de semana, não teria havido o mesmo desfecho.
Contudo, há uma coisa que sabemos: o sistema não foi configurado para um isolamento total das crianças referenciadas, sem que haja um conjunto de atores e instituições, como é o caso da escola, que servem de sinalizadores. Também não há técnicos que cheguem para um acompanhamento presencial intenso, nas casas das crianças, de modo a colmatar a falta da escola neste processo de acompanhamento.
Há CPCJ em determinados concelhos do país, onde há mais pressão populacional, em que o número de processos que os técnicos das Comissões seguem são muito elevados, criando dificuldades de um acompanhamento frequente e de proximidade. O sistema tem limitações que devem ser avaliadas com o devido cuidado.
Momentos como este, gerado pela Pandemia, servem para refletir sobre a capacidade de resposta do sistema, mas também para procurar soluções e inovar. A reação da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, organismo nacional de que dependem as CPCJ dos 306 concelhos do país, foi um pouco tardia, mas a verdade é que lançou uma campanha nacional sob o lema “Proteger crianças compete a tod@s” que pretende chamar a atenção para a primeira linha de ação, com principal destaque para a comunidade: amigos, vizinhos, familiares e conhecidos. Simultaneamente foi criado um contacto telefónico – 96123 11 11 para contacto direto.
O momento que vivemos com a pandemia levanta questões sobre a capacidade do sistema de proteção de menores de responder devidamente às necessidades das crianças em risco no atual contexto. As crianças com as escolas encerradas estão também elas fechadas em casa com as famílias que, ao contrário do que é esperado, são muitas vezes quem as violenta. Este é um bom momento para revisitar o sistema adaptando-o a uma nova realidade, porque não sabemos se hoje, com o isolamento decorrente do Covid19, atrás de algumas portas não estará uma Valentina.