A pandemia que atravessamos tem posto a nu insuficiências estruturais que, em situação de normalidade se vão colmatando e resolvendo, umas vezes melhor outras pior, mas que nesta crise de confinamento, trazem dificuldades acrescidas, muito em particular a quem tem menos recursos e menos rendimentos.
A realidade das crianças deste grupo de população tem de ser vista com especial atenção. Quando olhamos para os dados estatísticos da pobreza, constatamos que a pobreza infantil é um desafio difícil que o País enfrenta. As crianças são pobres porque vivem em agregados familiares pobres, e as famílias monoparentais e as famílias numerosas são aquelas que mais expostas estão à pobreza. Segundo os últimos dados do inquérito às condições de vida e rendimento do INE, o risco de pobreza no país é de 17,2%, mas nas famílias monoparentais sobe para 33,9% e nas famílias numerosas para 30,2%.
A pandemia do coronavíirus conduziu ao encerramento das escolas deixando as crianças em casa. Esta realidade levou o Governo a implementar um projeto de ensino à distância para o 3º período letivo. A “telescola” voltou numa modalidade do século XXI em canal aberto da RTP, com o objetivo de criar condições universais de acesso aos conteúdos pedagógicos.
Mas a plataforma Estudo em Casa pressupõe mais do que as aulas na televisão, pressupõe que as crianças interajam com o seu professor/a que envia trabalhos, tira dúvidas, acompanha. Essa interação necessita de equipamento informático e de rede de internet acessível. É aqui que começam as dificuldades porque há cerca de 20% do total de crianças neste universo que não têm possibilidade financeira de aceder a este equipamento.
Há o compromisso, assumido pelo Primeiro Ministro, de que todas as crianças no início do próximo ano letivo, terão equipamento informático e acesso à rede, mas até lá são necessárias estratégias que não deixem crianças para trás num país em que a escolaridade é obrigatória.
Não é difícil imaginar que os miúdos dos Bairros Sociais, dos “acampamentos” das comunidades ciganas, aqueles que vivem em zonas degradadas e muitos que vivendo em territórios menos desfavorecidos mas em famílias com baixos rendimentos, não tenham o computador ou o tablet, muitos estão a remediar-se com os smartphone dos pais, outros não têm mesmo nada com que se remediar.
Muitas destas crianças eram apoiadas por programas e projetos que acompanhavam o estudo e que lhes davam acesso a meios tecnológicos, hoje estão impedidos de ter esse apoio presencial, criando uma situação de isolamento e dificuldade de acompanhar o Estudo em Casa porque familiarmente não existem condições mínimas para o fazer. Muitos projetos e instituições sociais, desde o início do 3º período, têm feito um esforço grande, têm-se desdobrado entre contactar as escolas para recolher fichas e trabalhos, tirado fotocópias e ido de porta em porta entregar as fichas às crianças e depois nova volta para recolher e enviar aos respetivos docentes.
No início de maio, a par com a abertura do comércio local, das aulas presenciais para alunos do 11º e 12º ano, da reabertura das creches, é crucial abrir os Projetos e ATL que funcionam com crianças carenciadas em bairros sociais e territórios desfavorecidos, adaptando os horários e o número de presenças ao distanciamento social de segurança, como o Programa Escolhas, os Contratos Locais de Desenvolvimento Social e ATL de modo a garantir àquelas que não têm condições familiares de acompanhamento esse apoio ao estudo.
Só com esta capacidade instalada já existente de apoio social é possível concretizar alguma equidade no estudo em casa para todas as crianças, uma vez que a igualdade de meios e recursos é manifestamente diferente e desigual. É urgente juntar ao esforço de criar mecanismos de escola à distância, os meios apropriados, para que funcione e responda adequadamente a todas as crianças portuguesas sem exceção.