O novo vírus tem tido um progresso errático ao nível do planeta. Uma Região especifica da China, a Europa, a seguir, e os EUA, depois, parecem ser as zonas do globo mais afetadas, sendo admirável a sua baixa incidência no continente africano (até quando?). Não há explicações convincentes para estas desigualdades, registando-se, pelo contrário, a perplexidade de ser nas regiões mais ricas e mais desenvolvidas que o vírus prospera sem quartel. Numa análise intuitiva, dir-se-ia que os países com mais frequência de intercâmbio populacional, por turismo, relações familiares ou trabalho, são os que mais sofrem com este vírus. Mas não há certezas.
Nos países europeus, a evolução tem sido também muito desigual. A Itália e a Espanha são indubitavelmente os países mais causticados por este vírus, ao fim de 60/61 dias de evolução, desde o registo do primeiro caso. O número de infetados superou já a fasquia dos 2 mil por milhão de habitantes, um ratio muito superior ao verificado nos restantes países, em que ainda nenhum dos restantes atingiu, até agora, a fasquia dos mil casos por milhão de habitantes. A diferença é abissal. Como explicá-la, sabendo que, à exceção de Portugal, os países que estamos a utilizar na amostra têm o mesmo tempo de instalação do vírus?
A letalidade deste vírus é também bem mais impiedosa na Itália e em Espanha, na casa dos 12% e dos 9%, respetivamente, a 1 de abril. A seguir, seguem-se o Reino Unido e a França, com 8% e 7%, e depois um conjunto de países de um painel que inclui, também, a Alemanha, a Suécia e Portugal, com taxas de letalidade ente os 1,1% (Alemanha) e os 4,8% (Suécia). Para percebermos a forte discrepância da letalidade deste vírus, basta observar o indicador de óbitos por milhão de habitantes a 1 de abril: Itália: 218; Espanha: 194; França: 54; Reino Unido: 35; Suécia: 24; Portugal: 18; Alemanha: 10.
Podemos construir várias tentativas de explicação para estas discrepâncias profundas: baixa ou elevada taxa de rastreio, subregisto de casos, não declaração de caso, classificação, com critérios diferentes, de causa de morte (a DGS esclareceu hoje, 1 de abril, que estamos a utilizar a malha larga de classificação da causa de morte “com COVID-19” e não “por COVID-19”, sendo todavia esta a correta, mas também a mais difícil de definir). Mas há outras variáveis a que devemos prestar atenção: o Índice de envelhecimento populacional e a densidade populacional. A primeira aumenta a propensão para o aumento de óbitos nos mais velhos, a segunda aumenta a propensão para a multiplicação do contágio, principalmente em ambientes urbanos mais populosos.
Pois bem. Se no caso da Itália e na dimensão envelhecimento, se confirma essa relação (índice de 171), pois apresenta mais óbitos e é o país mais envelhecido, já o mesmo não é verdade para a Espanha, que ocupa apenas a 4ª posição no índice de envelhecimento, de entre os países utilizados neste painel (índice de 129,9). Pelo contrário, a Alemanha, ocupando o 2º lugar (índice de 158,5) é o país que apresenta a letalidade por milhão de habitantes mais baixa, como acima se refere.
Quanto à densidade populacional, embora fosse útil um trabalho mais fino sobre o peso dos residentes em grandes aglomerados populacionais de cada país, ela é claramente mais elevada no Reino Unido (277,2 h/Km2) o que poderia indiciar uma maior incidência de casos. Pelo contrário, o seu ratio por milhão de habitantes não tinha atingido, a 1 de abril, o valor de 450, e em Espanha, com 92,38 h/Km2,aquele valor já tinha disparado para 2.192 infetados por milhão de habitantes. No caso da Itália, conjugando a elevada densidade populacional (200,9h/Km2) com a liderança no índice de envelhecimento, poderemos ter fortes razões para suspeitar que a questão demográfica é terreno fértil para o novo vírus.
E com se tem comportado Portugal neste contexto? Em termos gerais é razoável dizermos que até agora as coisas estão controladas. As reportagens a que temos assistido, as declarações dos responsáveis clínicos no terreno e das administrações, parecem confirmar que temos tido capacidade de resposta e sucesso nos tratamentos. Temos hoje (1 de abril) cerca de 800 infetados por milhão de habitantes, o que em valor bruto corresponde a 8.251 casos. Somos o país, dos que vimos analisando, que tem menos tempo de evolução do vírus, apenas 30 dias, pelo que a nossa curva de casos acumulados ainda está em ascensão. Há sinais de que o vírus parece começar a ceder, a partir do dia 28 de março, pois que, iniciou um processo ziguezagueante de novos casos que pode representar a chegada ao tão desejado planalto, mais cedo do que o previsto. Esta precocidade também se regista na rapidez com que atingimos os 100 casos por milhão de habitantes, 19 dias apenas depois do início do surto, quando nos outros países do painel isso apenas sucedeu entre o 38º e o 53º dia. Fomos também o país que mais depressa atingiu os 300 casos por milhão de habitantes (ao 23º dia) quando os restantes o fizeram entre o 44º e o 60º dia. E atingimos os 500 casos por milhão de habitantes no 26º dia do surto, quando os outros países demoraram, entre 47/ 50 dias (Itália e Espanha) e 63/64 dias (Alemanha, França e Reino Unido). A Suécia, com 61 dias de evolução do novo vírus, ainda não atingiu os 500 casos por milhão de habitantes e tem escolas abertas, restaurantes e lojas a funcionar e convívio social q.b. Será mais um capricho do COVID- 19?
Mas não nos iludamos. A evolução do impacto do novo vírus é ainda muito preocupante. Entre a 2ª feira, 16 de março, após o encerramento das escolas decidido pelo governo, e o dia em que atingimos os 100 casos por milhão de habitantes (21 de março) a média diária de novos casos cifrou-se nos 129,1. Daí até ao dia 28 de março a média saltou para 555,7 novos casos por dia. E até ao dia 1 de abril a média passou para 770,2 novos casos por dia.
Temos que ficar todos apreensivos com a velocidade com que o vírus resolveu brindar os portugueses, compensada, todavia, com alguma suavidade nessa correria.
É que, de facto, embora nos intrigue a rapidez daquela evolução, consola-nos a ideia de que as consequências são, no nosso país, bem mais amistosas. Temos uma taxa de internamento hospitalar de 8,8%, um volume de doentes que passaram por UCI de apenas 2,8%, sendo esta a taxa mais baixa de entre os países europeus que estamos a comparar (variam entre 14,2% em França e os 5% em Itália, a 1 de abril) e uma taxa de letalidade de 2,2%, que compara com 12% em Itália, 9% em Espanha, 8% no Reino Unido ou 5% na Suécia.
Para estes aparentes bons resultados muito tem contribuído a estrutura etária até aqui verificada no número de infetados: mais de 36% têm entre 40 e 60 anos e o grupo entre 30 e 40 anos representa cerca de 15%. Correspondem, porventura, à primeira camada de infetados, população ativa e/ou que circulava com frequência no país e no estrangeiro, como aliás se percebeu logo nos primeiros casos importados. Mas a situação está a mudar com a chegada do vírus à segunda camada: pessoas idosas, com pouca mobilidade, em que foi o vírus que foi ter com elas. O efeito “lares” está a começar a surgir nas estatísticas dos últimos dias: as pessoas infetadas com mais de 80 anos representam já mais de 11% dos casos, com uma subida de 1,6p.p nos últimos três dias. Esta evolução está a refletir-se na utilização de camas de cuidados intensivos e na taxa de letalidade, em que os óbitos em pessoas com mais de 80 anos representa já mais de 64% do total, quando há apenas 3 dias era de 58%. A média de novos óbitos diários foi, entre 20 e 28 de março, de 10,8. Mas entre 28 de março e 1 de abril essa média saltou para o dobro (21,7 novos óbitos por dia). Nada tranquilizador pelo que pode indiciar para as próximas semanas.
Os caprichos do COVID- 19 ultrapassam a nossa capacidade de entendimento. Não sabemos exatamente como se comporta, porque é mais agressivo aqui ou ali, porque mata muito mais neste país do que naquele, porque exige mais dos profissionais e dos sistemas de saúde nalgumas regiões do que noutras. Porque nem tudo se explica pelas políticas adotadas por cada governo e porque a incoerência e a falta de liderança verificadas nalguns países, ou até as posições menos impositivas, não jogam com os resultados que cada um vai apresentando.
Estamos todos a acompanhar com curiosidade e sobressalto o evoluir dos acontecimentos. Devemos seguir as medidas de confinamento com que, aliás, a maioria do país parece concordar, na esperança de que os bons resultados comecem a aparecer. No fim do dia faremos contas e retiraremos todas as lições. Até lá, esperemos que o vírus não nos faça muitas maldades e nos deixe em paz o mais depressa possível. Pelo menos por algum tempo…