O partido Iniciativa Liberal (IL) apresentou uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado que pretendia garantir a redução do IVA de 23% para 6% para os produtos alimentares para bebé. A proposta chegou a ser dada como aprovada, mas… na confusão das votações do Orçamento na especialidade, foi afinal, chumbada. Em causa estavam alguns alimentos que mantêm a taxa de 23% de IVA. Segundo este partido, certos alimentos que os bebés costumam consumir habitualmente, como potes de fruta, deveriam ser menos taxados e ter os preços mais baixos, ou seja, e nas palavras do porta voz do Iniciativa Liberal: “Há um conjunto vasto de alimentação infantil, de potes de fruta triturada, por exemplo, sem aditivos, a que é aplicada taxa máxima. Apesar de ser fruta pura, sem açúcar, e fazer parte da alimentação básica das crianças”. Além do Iniciativa Liberal, votaram a favor o Chega, CDS e o PCP. Abstiveram-se o PSD, BE e PAN e o PS votou contra.
Independentemente dos partidos em causa, e falando de um ponto de vista puramente técnico, vale a pena analisar o caso e dar um contributo para esta discussão. Concordo com estas iniciativas para tornar a comida para bebés mais barata e todas aquelas que permitem às famílias portuguesas poderem dar uma alimentação nutricionalmente mais adequada e a baixo custo. Aplaudo, por isso, este tipo de iniciativas. O problema é que existe um vasto conjunto de produtos alimentares para crianças, nomeadamente purés de fruta triturada, que mesmo sem aditivos e sendo derivados de fruta, possuem grandes quantidades de açúcar não devendo fazer parte da alimentação diária das crianças. Creio que ao se tornarem mais baratos pode dar-se a ideia que são recursos diários para a alimentação infantil e não o deveriam ser nem deveriam substituir regularmente o consumo de fruta.
Este é o parecer de entidades insuspeitas como a Organização Mundial da Saúde ou de pediatras e investigadores de topo a nível mundial. Em novembro de 2018, num editorial do Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition podia ler-se sobre este assunto o seguinte: “What might appear as a great idea for adding convenience and reducing parents’ time spent with infant feeding raises some serious concerns”. Ou seja, o que parece ser uma ideia muito conveniente, pode originar grandes problemas. E mais à frente, aquilo que muitos outros especialistas vêm descrevendo. Que não é o mesmo comer uma peça de fruta que um pote de fruta triturada: “Parents may consider a fruit pouch equivalent to offering a piece of fresh cut fruit to their baby, which is not the case.” As razões para esta diferença parecem residir no facto destes produtos apresentarem geralmente uma grande concentração de energia por peso, um elevado teor de açúcar e sabor muito doce, presumivelmente devido à remoção de água ou fibra durante o processo de produção. A combinação de uma elevada densidade energética com um fácil consumo por sucção ou mesmo pela colher, em vez de mastigar e engolir pedaços de frutas, pode levar a uma elevada ingestão de energia e açúcar na forma de frutose durante um curto período de tempo. Na categoria dos purés para bebés, os novos formatos em bisnaga, para além dos potinhos, já ocupam uma proporção considerável das áreas dos supermercados destinadas à alimentação infantil, refletindo provavelmente a crescente procura por este tipo de produtos. Estes formatos em bisnaga podem ser ainda menos interessantes, pois uma embalagem destes produtos é consumido em breves segundos.
Sabe-se hoje, também, que a exposição precoce e repetida ao sabor muito doce pode induzir efeitos de programação nas escolhas posteriores de alimentos e nos gostos e preferências dos jovens adultos podendo aumentar o risco associado a cárie dentária, obesidade e doenças associadas. De um modo geral, quem ganha o gosto pelo doce muito cedo, mantem esse padrão de consumo ao longo da vida adulta. A ingestão excessiva de açúcares simples (mesmo aqueles extraídos ou presentes nos derivados da fruta) tem sido associada ao excesso de peso/obesidade e consequentemente ao risco de desenvolvimento de doenças crónicas associadas. Neste aspeto, Portugal é um dos países europeus com maior prevalência de obesidade infantil e onde, ao mesmo tempo, se começa a consumir muito doce desde muito cedo.
Estas são algumas das razões técnicas para se desincentivar o consumo regular de sumos de fruta, fruta em puré ou outros formatos de consumo alimentar muito doce que possam substituir o consumo de fruta em natureza.