Quando a TVI me convidou para ir ao Jornal das Oito colocar uma questão ao Senhor Primeiro Ministro António Costa, na quarta-feira, dia 28 de agosto, hesitei. Que poderia um professor perguntar ao Exmoº Senhor Ministro num minuto, ainda por cima sem qualquer direito a contraditório? Depois, mesmo consciente de que correria grandes riscos, decidi aceitar o convite. E não imaginei nunca as reações que se sucederiam, vindas de todos os lados.
Centenas de colegas agradeceram-me a coragem de confrontar o Senhor Ministro com as principais dificuldades da nossa classe profissional. Outros colegas, na sua plena liberdade de direitos, manifestaram o seu desagrado perante a minha contribuição, afirmando que estava nervosa, exaltada, agressiva e que em nada ajudei a defender os professores. Não sei se o meu objetivo era defender os professores. Julgo que não. Cheguei à conclusão de que já ninguém nos pode defender. Depois, houve várias vozes ofensivas e mesmo ameaçadoras, inventando ideias mirabolantes como a de eu ter sido contratada pela TVI para confrontar o Senhor Ministro ou mesmo ir fazer a apologia da direita contra a esquerda ou da extrema esquerda contra o Socialismo de Costa. Bem, a verdade é que nada disto me interessa verdadeiramente. Não tenho qualquer filiação partidária e, verdade seja dita, não simpatizo particularmente com o discurso dos políticos.
Vamos pois ao que interessa. Tenho uma pergunta para si, senhor Ministro: dê-nos uma boa razão para, no dia dois de setembro, quando regressarmos à escola, levarmos na mochila a motivação para enfrentarmos mais um ano letivo,
(I) ano este que, sabemos já, vai estar repleto de burocratização, transformando o professor num mero funcionário administrativo e não um profissional de ensino com uma enorme especificidade;
(II) onde as turmas continuarão repletas de alunos indisciplinados, muito mais interessados nos seus telemóveis do que na aula e muito menos ainda na figura do professor;
(III) com professores cujas expetativas de carreira foram totalmente goradas com a espoliação dos nove anos de serviço efetivo;
(IV) no qual a degradação social da função do professor será mais uma vez notória, uma vez que alunos e famílias valorizam a função de certificação da escola e pouco mais;
(V) onde há professores deslocados, a muitos quilómetros de distância dos seus lares, obrigados a passar a semana em quartos arrendados e mesmo em tendas de campismo;
(VI) ao longo do qual daremos à escola muitas mais horas do que aquelas que nos são pagas, quer em atividades extra com os alunos, quer em preparação de aulas, correção de trabalhos e testes, recorrendo muitas vezes aos nossos próprios recursos.
Dê-nos uma boa razão, Senhor Ministro, ou, por outras palavras, se em vez de político o Senhor Ministro fosse professor, a que estratégias automotivacionais recorreria para encontrar a energia, o ânimo, a alegria para fazer a diferença na vida dos seus alunos, algo que os professores fazem dia após dia, ano após ano?
O Senhor Primeiro Ministro teve o cuidado de nos relembrar algo importante: tenho a certeza de que o que mais motiva os professores são os seus alunos. Não tive oportunidade de lembrar ao Senhor Ministro que há turmas e alunos tão indisciplinados e insolentes, reflexo desta sociedade em que vivemos, dos quais só nos apetece fugir. Hasteou, de seguida, as bandeiras da flexibilização curricular e da crescente autonomia das escolas, sem deixar também de referir as mais de setecentas escolas que se encontram em obras de recuperação e / ou remodelação. Acrescentou ainda que nos próximos quatro anos, em média, todos os professores poderão progredir dois escalões. E concluiu afirmando que, se há algo que é fundamental para a motivação e seguramente para a confiança entre todos, é ninguém assumir compromissos além daquilo que efetivamente pode cumprir.
Sim, Senhor Ministro! Concordamos consigo. E se os professores também não assumissem compromissos com a escola para além daquilo que efetivamente conseguem cumprir? Como seria?