Há dias, dei por mim a pensar no que foram as típicas aulas de Português a que assisti enquanto aluna e, não me chegando este trauma, pedi a alguns amigos que me contassem as suas próprias experiências. As respostas deixaram-me a pensar e desejo sinceramente que provoquem o mesmo efeito no leitor:
Exemplo 1 – A aula de Português era aquela aula chata em que o professor entrava e, independentemente do ano, fosse que ano de escolaridade fosse, abriam-se os cadernos, escrevia-se o sumário e depois… vamos ler isto ou vamos dar aquilo e, em seguida, ficávamos ali todos até ao final da aula a ler um texto, a analisar uma parte ou o texto todo ou, então, a fazer qualquer coisa de gramática relacionada… E acabava a aula! Uma grande seca!
Exemplo 2 – Então era assim: os professores entravam na sala, punham os livros em cima da secretária e diziam: abram o livro na página tantas, vamos fazer isto ou aquilo… Explicavam a matéria à maneira deles, eu penso que ensinavam exatamente da mesma forma como tinham aprendido. Não estavam sequer para se dar ao trabalho de pensar muito mais ou facilitar a explicação com outros exemplos. Literalmente, despejavam a matéria e no final perguntavam se havia dúvidas mas entretanto tocava para a saída…
Exemplo 3 – Ah, lembro-me bem. Nós entrávamos na aula e o professor mandava abrir o livro na página tal… Depois pedia para lermos o texto em silêncio e cada uma devia escrever no caderno o que tinha achado do texto. Estas aulas eram mesmo muito aborrecidas. Às vezes dava a impressão que o professor não queria fazer nenhum, não é?
Exemplo 4 – O manual era a nossa Bíblia… Íamos ocasionalmente ao quadro, líamos de vez em quando e escrevíamos no caderno uma vez por outra. Não passava muito disto.
Exemplo 5 – Ah, que grande seca. Na maior parte das vezes, era mais teoria que prática. Os professores davam mais peso à teoria. Nós raramente falávamos mais do que ouvíamos e raramente escrevíamos mais do que falávamos…
Exemplo 6 – Olha, eu era tímida e passava a maior parte das aulas calada a ouvir o que os outros diziam. O professor fazia uma pergunta ou outra e os alunos respondiam. Não me lembro de nada que me tenha marcado. Para te ser sincera, nem me lembro do nome de nenhum professor de Português…
Muito mais haveria para vos contar… Admito que me revi, aqui e ali, em alguma destas práticas contra as quais procuro lutar, nem sempre saindo vitoriosa dessa luta. Aulas há em que dou por mim a fazer quase o mesmo que os meus antigos professores fizeram comigo… Afinal, há quase trinta anos que ensino Os Maias e a mesma gramática. O que muda, de dois em dois anos, são apenas os manuais. Já tentei revolucionar a aula de Português algumas vezes. Minto. Muitas vezes. Mas os exames nacionais não perdoam e, no balanço mensal de conteúdos programáticos, entro em pânico quando me apercebo que estou atrasada relativamente aos outros colegas. É então que arrepio caminho e me agarro à Bíblia, acelero nas obras literárias em estudo e aquilo que verdadeiramente importa, o debate, o desenvolvimento do espírito critico, a prática da escrita, a análise livre de textos da atualidade (literários ou não) ficam inevitavelmente para trás. Com tantas obras literárias de estudo obrigatório e uma lista interminável de conteúdos gramaticais alguns dos quais com nomes verdadeiramente pomposos, por vezes esquecemo-nos que o domínio da língua e da linguagem – que constituem o elemento essencial de integração do indivíduo na sociedade e no mundo do trabalho – deveriam ser o principal conteúdo da aula de Português. Constato com profunda preocupação que esta aula está desaproveitada enquanto espaço privilegiado de treino e desenvolvimento desse precioso instrumento de socialização e de inclusão que é a linguagem verbal. É na aula de Português, por excelência, que se deveria aperfeiçoar a linguagem enquanto técnica que se domina ou não, elo fundamental com a comunidade a que pertencemos, os valores que queremos passar, os símbolos que queremos manter e as identidades que queremos ajudar a construir.