Em pleno agosto volto a calcorrear diversos areais ao longo do país. Com raras exceções é quase impossível encontrar água da rede pública acessível e amplamente disponível. Mais fácil encontrar chuveiros e lava-pés gratuitos, cada vez mais frequentes nas praias concessionadas. Bebedouros públicos com água potável são uma verdadeira raridade. E ultimamente passou a ser frequente cobrar a “oferta” de copos de água.
Em pleno verão, é fácil encontrar bebidas alcoólicas na praia, em particular a cerveja que está omnipresente. Refrigerantes de toda a espécie, muitos deles com cafeína. E água cara ou então misturada com açúcar e corantes a preços mais baixos. Batatas fritas e outros salgadinhos. Diuréticos (álcool e cafeína) e sal, lado a lado. Calor e muita desidratação. Combinação potencialmente fatal para muitos milhares de adultos hipertensos nos areais das praias de Portugal e um rasto de plástico que é preciso limpar todas as madrugadas.
Este risco aumentado pela ausência de água também se estende às crianças. Os maus hábitos de consumo de água, a par da sua indisponibilidade ou preço elevado nas praias, fazem com que muitas crianças andem constantemente desidratadas. E logo elas que aumentam a atividade física debaixo do calor e necessitam de mais água ao longo do dia. A desidratação, provocada pela ausência da ingestão de líquidos ao longo do dia e, em particular, quando a atividade física aumenta, pode ser responsável por sintomas como dores de cabeça, irritabilidade e cansaço afetando também a capacidade de concentração, atenção e memória. A não ingestão de água torna mais difícil a regulação da temperatura corporal e o normal funcionamento dos órgãos, dificultando o controlo do peso corporal. Quem bebe maiores quantidades de água diariamente, ingere em média menos energia, consome menos calorias a partir de bebidas com açúcar e aumenta a qualidade global da dieta. Razões mais do que suficientes para beber 1 a 1,5 litros de água ao longo do dia, em pequenas quantidades, mesmo sem sede. E para que as praias nacionais sejam locais da cultura da água e da educação para o consumo hídrico e não locais de promoção de tudo o resto com baixo valor nutricional e elevado valor calórico.
O que podemos fazer? Perguntar muitas vezes por que razão nos regulamentos de gestão das praias marítimas não existem referências explícitas à oferta facilitada de água da rede pública para os cidadãos? Por que razão deve uma praia concessionada ter ecopontos e não existem orientações para a existência de vários bebedouros de água públicos? Por que razão existem lava pés funcionais em tantas praias e tão poucos bebedouros? Por que razão se dificulta tanto a oferta de água a quem pede um copo de água, ao ponto de já se levar dinheiro por um copo de água em algumas áreas concessionadas pelo próprio Estado? Por que razão existe tanto plástico nas nossas praias para beber água quanto parte desse problema poderia ser resolvido se existissem bebedouros públicos funcionais?
Sendo a água um bem essencial à vida, o seu acesso é de alguma forma um requisito para a dignidade humana. O acesso a este bem é também uma condição para o gozo de outros direitos, designadamente o direito à saúde e ao bem-estar. Nesse sentido, o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas refere que “O direito humano à água implica que todas as pessoas possam beneficiar de água em quantidade suficiente, segura, aceitável, fisicamente acessível e de preço também acessível, para uso pessoal e doméstico.” Mais recentemente, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida valorizou o acesso à água numa dimensão ética “que se traduz também em responsabilidades para as pessoas e as comunidades e que tem consequências sociais e políticas, logo também responsabilidades para os poderes públicos, que se traduzem essencialmente em respeitar, proteger e realizar o que hoje se entende ser um direito humano – o direito à água.”
Se existe entendimento de tantos sobre este assunto, por que razão a água pública continua a ser um bem tão escasso nas nossas praias e porque nos mantemos tão silenciosos sobre este assunto, central à nossa qualidade de vida nos meses de verão?