Se formos mais capazes de estar sensorialmente no sexo, as questões da performance e da ereção perdem a excessiva relevância que costumam ter. Porque o sexo não é só coito vaginal.
Questiono-me sobre a nossa capacidade de sentir sensações físicas nestes tempos modernos em que somos esmagados por uma quantidade brutal de informação e estímulos para processar, basicamente imagens e texto. Há uma sobrecarga da componente visual. Nesta era digital em que vivemos, pergunto-me o que acontece com a nossa capacidade de receber e processar outros estímulos sensoriais, como o olfato e o tato. Estamos capazes de sentir o toque do outro e de colocarmos aí toda a atenção? Sentimos verdadeiramente o abraço e as mãos do parceiro? Ou essas mãos já não se atrevem e não se perdem nos 2m2 de pele?
“Ele vem. Cheira bem a cigarro inglês, cheira a mel, à força a sua pele apanhou o cheiro da seda, da seda aromática, do tussor da seda, do ouro. Desejo-o. Digo-lhe este desejo dele. Ele diz-me que espere um pouco”. Marguerite Duras, 1992
A pele é o órgão maior do corpo humano, responsável pela termorregulação e pela defesa do corpo. Para além da sua função protetora e de regulação da temperatura somática, a pele está cheia de terminações nervosas que a tornam altamente sensitiva ao toque. É um órgão excecional que, ao mesmo tempo que defende e protege, nos põe em contacto direto com o outro. E por isso, tem um papel principal na vivência do amor e do prazer sexual. A pele detém uma infinidade de possibilidades no contexto erótico.
A importância da pele na vivência do amor e do prazer tem vários aspetos a salientar. Por um lado, pelo seu papel no fenómeno da atração e escolha do parceiro. Num primeiro encontro, gostamos dos olhos, da boca e de outros atributos, mas também da pele. Não só pelas características como a cor e a textura mas também pelo cheiro que dela emana. Através da pele libertamos substâncias químicas – as feromonas – que são detetadas inconscientemente pela outra pessoa e que também determinam a atração sexual.
Ao ser humano a natureza ofereceu os sentidos para ajudar à sobrevivência mas, também para os prazeres. A espécie humana está especialmente dotada para o contacto dérmico. É uma espécie sem pelo, orientada para a interação de frente e com as mãos livres. Sem pelo, a pele permite o acesso livre e direto à sua suave superfície. Dois metros quadrados cheios de terminações nervosas, toda ela sensível ao contacto e suscetível de se encher de significados interpessoais. Este feito antropológico faz do ser humano uma espécie para o contacto, com toda a derme aberta ao outro, para tocar e ser tocada. Como diz Félix López, o corpo humano é um “mapa erótico” cheio de vales, montanhas, atalhos, ribeiros, rios profundos e praias de areia cálida, que pode ser explorado e gozado. Por isso, pensar em zonas erógenas é redutor e obsoleto. Temos dois metros quadrados de pele para explorar. A verdadeira zona erógena é o cérebro, porque é ele que que recebe a informação e atribui (ou não) significado erótico aos estímulos. O desafio é expandir a atenção para esses 2m2 de pele onde é possível absorver sensações eróticas intensas. Agarrar-se bem aos estímulos sensoriais/sexuais sem perder esse foco, em vez de apontar tudo para a genitália. Tirar a ênfase do orgasmo simultâneo conquistado pela penetração vaginal, e antes expandir a atenção para estímulos sensoriais que chegam pelo toque. Aventurar-se na descoberta da pele do outro, sem pressa, sem metas, sem outro objectivo. Ver tudo com a ponta dos dedos. É importante descentrar da penetração vaginal. Se retirarmos protagonismo ao coito, também retiramos a preocupação com a função eréctil que tantas vezes se transforma em ansiedade. Agarrar a ideia de se derreter ao contacto com a pele do outro. A magia da entrega e o “deixar-se ir”, para “se vir”.
A pele é um órgão principal na conexão erótico-amorosa. Através do toque expressamos o nosso afecto, as nossas emoções e o nosso desejo. É também no toque físico que nos revelamos e que descobrimos o outro. Pele com pele.