Um dia (não tão distante) muitas pessoas deixarão de dizer que trabalham na empresa x, que têm a função y, ou até mesmo que trabalham. Ter um emprego é uma afirmação pessoal, mas também uma exigência social, pelo que existe uma enorme pressão para se ter emprego, para se ser bem-sucedido e, sobretudo, para se trabalhar em empresas reconhecidas e com funções que pelo menos tenham 3 palavras em inglês, sendo uma delas de manager, head, director ou chief…
Esta ideia de no futuro não existirem empregos para muitos talvez lhe pareça demasiado radical, mas faz sentido pensar no longo prazo e tentar perceber se isso o afectará, dado que certamente afectará os seus filhos. Um estudo da Universidade de Oxford refere que nos próximos 25 anos 47% dos trabalhos podem desaparecer.
Este exercício poderá ser difícil levar por diante numa semana em que foi anunciada uma taxa de desemprego de menos de 7%, inédita em Portugal há mais de 10 anos. De todo o modo a época de férias é (quase) sempre um momento de reflexão sobre se seria bom mudar de vida ou deixar de trabalhar e manter-se em férias o resto da vida. Entretanto desperta-se para a realidade e, de facto, para muitos, essa vida boémia não seria praticável pois o trabalho é hoje uma peça fundamental na estruturação do dia-a-dia sendo, inclusivamente, o maior propósito para muitos.
Receio histórico
Num dos seus últimos post, Stephen Hawking alertou que o surgimento da inteligência artificial (IA) poderia destruir a sociedade. Estas palavras dramáticas serviram certamente para alertar o mundo em geral, mas sobretudo para obrigar os peritos em IA a refletirem sobre as consequências das suas criações.
O tema, da eventual substituição de seres humanos por máquinasa, não é novo. Aliás, já em 1845 Karl Marx escreveu que numa sociedade comunista os trabalhadores seriam libertados dos seus trabalhos para poderem caçar de manhã, pescar à tarde, guardarem os animais à noite, e conversarem depois do jantar. Em 1884, o socialista William Morris propôs que as fábricas do futuro fossem rodeadas de jardins para descanso e que os funcionários trabalhassem apenas quatro horas por dia. Em 1930, o economista John Maynard Keynes previu que, no início do século XXI, os avanços tecnológicos levariam a uma “era de lazer e abundância”, na qual as pessoas poderiam trabalhar 15 horas por semana. Em 1980, quando os robôs começaram a “povoar” as fábricas e a provocar despedimentos em massa, o economista André Gorz declarou que: “A abolição do trabalho é um processo já em curso… A maneira como [isso] deve ser gerido… constitui a questão política central das próximas décadas.”
Novo paradigma social
Embora tenha surgido há muito tempo esta questão, aparentemente, nunca como agora estiveram reunidas as condições para que aconteça uma rápida, definitiva e disruptiva revolução social. As novas máquinas são radicalmente diferentes das que existiram em outras revoluções industriais: estas máquinas / robôs pensam! E, em muitos casos, pensam mais rápido e melhor do que os humanos. É natural que outros empregos surjam, aliás, já começaram a surgir, ainda assim, prevê-se que as funções mais repetitivas, operacionais e que exijam menos competências ao nível da criatividade, raciocínio e uso das emoções, sejam rapidamente substituídas por IA. Um outro estudo efectuado pelo Mckinsey Global Institute refere que em 2055 50% dos trabalhos que hoje existem podem ser automatizados.
Esta revolução levar-nos-á a uma nova ordem social, em que o normal poderá passar por não ter um emprego ou, pelo menos, um emprego tal como o conhecemos hoje. Tudo será diferente no futuro, desde a forma de deslocação para o local de trabalho, até à própria forma de trabalhar. Aliás, muitas empresas já têm hoje pessoas a trabalhar a partir de casa. Como será então esta nova realidade? Ninguém sabe ao certo o que acontecerá, todavia, já se equaciona actualmente como enfrentaremos este novo paradigma social.
Rendimento básico universal
Como poderão viver e sustentar-se as pessoas que não trabalhem? Uma das hipóteses, já em análise, é a do rendimento básico universal. Este rendimento garantiria que mesmo não trabalhando, as pessoas teriam dinheiro para suprimir as suas necessidades e, simultaneamente, a economia manter-se-ia a funcionar.
Como será, nesse caso, o dia-a-dia de uma pessoa que não tem emprego, e nem tem isso como objectivo de vida? Qual será o seu propósito? A verdade é que, felizmente, há muitos outros propósitos para além do trabalho: família, hobbies, desporto, viajar, ajudar a comunidade e amigos…
Um dos pontos a considerar sobre o rendimento básico universal é se deverá ser igual para todos, se assim for poderá levar a que muitos optem por nada fazer em prol de si e/ou da sociedade, ou seja, podem, por exemplo, decidir abandonar a escola e não contribuir para a comunidade. Nesse sentido, e para não perverter o sistema, poderão vir a ser criados diferentes níveis de rendimento, consoante o envolvimento e contribuição de cada um.
A Finlândia foi pioneira nesta matéria, durante dois anos atribuiu um rendimento a 2000 pessoas. Desta experiência piloto, infelizmente, não se conseguiu retirar muitas conclusões, pois dois anos são insuficientes para inferir sobre o comportamento das pessoas perante tão nova realidade, além de que a experiência foi efectuada tendo por base uma população já desempregada. Os investigadores referiram que teria sido necessário incluir pessoas que trabalhavam para que se percebesse como iriam gerir a sua vida a partir do momento em que dispusessem do rendimento básico universal.
Criar um mundo novo, que poderá designar-se de pós-trabalho, potencialmente mais benigno para as pessoas, será eventualmente mais difícil agora do que nos idos anos 70/80. Na presente economia, de baixos salários e maiores desigualdades, levar os governos atribuir um “salário” (rendimento básico universal) a toda a população activa é, no mínimo complexo, para não dizer verdadeiramente impossível, pois todos os governos têm muita dificuldade em gerir os seus orçamentos actuais. Por isso mesmo, este será um exercício de longo prazo, cheio de tentativas e erros, mas fundamental, pelo que importa começar a reflectir e executar alguns projectos-piloto neste âmbito. O paradigma social vai mudar, pelo que os governos terão de “assinar” um novo contrato social com as suas pessoas.
* (O autor escreveu este texto com base na ortografia antiga)