Há 2,500 anos na ilha Grega de Lesbos, Safo escreveu assim sobre a paixão:
“…pois basta ver-te, para que nem atine com o que diga,
Ou a língua se me torne inerte.
Um subtil fogo me arrepia a pele,
Deixam de ver meus olhos, zunem meus ouvidos,
O suor inunda-me o corpo de frio” (1)
O sentimento de paixão é uma experiência avassaladoramente boa. É intensa, vermelho vivo, sente-se no corpo. Tal como o medo, a paixão tem um impacto físico. É um friozinho na barriga, um coração acelerado, uma respiração profunda, um fogo que arrepia, como diz o poema de Safo. Todas as emoções acontecem no corpo, têm um substrato biológico, mas esta mais do que todas. Perde-se o apetite, o sono e a concentração. Sonhamos acordados, enganamo-nos no caminho, esquecemo-nos da chave de casa, o telemóvel fica colado à mão. Quando nos apaixonamos ativam-se áreas específicas do nosso cérebro. Numa explosão química, libertam-se neurotransmissores, uma espécie de drogas naturais que inundam o nosso cérebro. As endorfinas, associadas ao bem-estar, a dopamina, responsável pela alegria e pelo aumento do desejo pelo outro, a feniletilamina – que pode ser libertada por uma troca de olhares mais intensa – a norepinefrina, responsável pelo sentimento de euforia. São alguns exemplos das extraordinárias moléculas naturais associadas a essa avalanche de transformações que acontecem no estado de paixão. É este cocktail neuroquímico o responsável pelo estado de êxtase que toma conta de nós. É uma experiência imperdível (mesmo quando não se é correspondido).
Os primeiros tempos são magníficos. Quando se é correspondido, melhor ainda. O desejo do outro é intenso e inunda tudo. O outro é omnipresente, está em todo lado. Abre-se uma imensidão de possibilidades numa vasta planície de esperança, onde tudo pode acontecer. A descoberta do outro é altamente excitante. Não há nada mais interessante para fazer. Idealizamos o outro e sonhamos relação. O sonho e a imaginação tomam a dianteira. A imaginação é uma tela onde projectamos os nossos desejos com o outro. Neste estado de encantamento gostamos de tudo na outra pessoa. Só mais tarde começamos a desgostar de algumas coisas, e ainda mais tarde, aquelas que mais nos irritam são precisamente as que achámos mais graça no início.
Quase não acreditamos que nos está a acontecer. O mundo subitamente adquire outras cores, mais coloridas e brilhantes. A vida fica impregnada de entusiasmo. Algumas pessoas consideram a paixão uma experiência mística, intangível, quase sagrada.
No início, a paixão é o grande combustível que alimenta o desejo sexual. É provavelmente o melhor de todos. Nesses princípios é tudo novo e fresco. A energia sexual está ao rubro. No estado de paixão, o nível de energia erótica é muito elevado. O erotismo alimenta‑se da novidade, do mistério do outro e da expectativa. Está tudo em aberto, tudo por descobrir. E o erotismo floresce no imprevisível e na incerteza. Anthony Robbins refere que a paixão numa relação é proporcional à quantidade de incerteza que se consegue tolerar. Assim, quanto mais incerteza conseguirmos tolerar, maior é a intensidade com que vivemos a paixão.
A paixão é esta panóplia de emoções intensas em que o outro é o centro do mundo. Alegria, euforia, esperança, incerteza, coragem. Mas subjacente a toda esta tormenta e êxtase, encontra-se o medo puro e simples. Frequentemente ouvimos descrições como estas: “Ficava nervoso dos pés à cabeça”; “Tremia tanto que tinha medo que ela notasse”; “O coração acelerava e um medo súbito tomava conta de mim”. A ansiedade do encontro, o medo de não agradar. Este medo pode mesmo perturbar os primeiros encontros sexuais. Quando tudo rola magnificamente, excitação ao rubro, o desejo é tanto que o corpo parece não aguentar e a ereção perde-se. É totalmente inesperado e incompreensível para ambos. Como pode isto acontecer quando temos os ingredientes todos para um encontro erótico escaldante? É uma falha eréctil causada por esse medo puro. E são os homens, mais do que as mulheres, que mais se inibem no estado de paixão. “Quanto mais a desejo, maior é o risco”.
Mas quanto tempo o corpo aguenta esta tormenta da paixão? Não aguenta indefinidamente e a dada altura o fogo baixa. A paixão tem um tempo de vida. Esse tempo varia de um estudo para outro mas, os investigadores concordam entre 18 meses a três anos. Se houver adversidade e obstáculos o estado da paixão pode durar mais. À medida que a relação avança, a paixão transforma‑se noutra coisa mais amena e menos intensa. A relação amorosa evolui, a intimidade constrói‑se e os dois tornam‑se cada vez mais familiares, mais conhecidos um do outro. Vêm novos desafios. Passa-se ao segundo acto do Enamoramento. Construir a intimidade e salvar o erotismo.
(1) Poemas e Fragmentos de Safo, II (31 L-P), trad. De Eugénio de Andrade Poesia e Prosa (1940-1986), 3ª edição, 2º volume, Círculo de Leitores, 1987.