No artigo de hoje, decidi criar algumas perguntas que acredito matutam com insistente teimosia na mente de muitos leitores e que confirmam, a meu ver, que a Língua Portuguesa é mesmo traiçoeira!
1 – Porque é que açoriano se escreve com i, se Açores se escreve com e?
Porque à palavra açor (que designa uma ave) se associou o sufixo –iano, que entra na formação de nomes de naturalidade como canadiano, cabo–verdiano, iraquiano, entre outros. A vogal i é, portanto, do sufixo (tal como flor(es) + inhas = florinhas).
2 – Porque é que o verbo descriminar não é sinónimo de detalhar?
Porque apesar de haver uma semelhança entre as sílabas iniciais, esses verbos não estão semanticamente relacionados. O verbo descriminar significa “absolver de um crime imputado, livrar de culpa ou acusação”, por exemplo: “O juiz descriminou o réu depois de várias audiências”. O verbo discriminar, esse sim, é sinónimo de detalhar e significa “separar, diferenciar, distinguir”: fatura discriminada, por exemplo.
3 – Porque é que a palavra café tem acento gráfico e cafezinho não tem?
Porque ao associarmos qualquer sufixo a uma palavra, o acento tónico passa a recair na primeira sílaba do sufixo (cafezinho), logo, o acento gráfico deixa de fazer sentido, apesar de a vogal continuar aberta.
4 – Porque é que uma assinatura abreviada não é uma rúbrica?
Porque a palavra rubrica, com origem no latim rubrica, rubrus (vermelho), tem o seu acento tónico na penúltima sílaba (bri) e escreve-se sem qualquer acento gráfico, seja qual for o seu significado: “assunto, tópico” ou “assinatura breve”.
5 – Porque é que um sinal gráfico se designa caráter e não caracter?
Porque a palavra caráter, com origem no grego kharákter (sinal distintivo), além de designar o temperamento de uma pessoa, refere também o sinal ou símbolo usado na escrita. A outra forma não está atestada na língua.
6 – Porque é que o verbo relativo a circuncisão não é circuncisar?
Porque são palavras com origens diferentes: o nome circuncisão provém do latim circuncisionis e o verbo correspondente é circuncidar, o qual tem origem em circumcidere (cortar ao redor).
7 – Porque é que não devemos dizer “melhor classificado”?
Porque o advérbio bem tem duas formas para os seus graus comparativo e superlativo: uma forma regular – mais bem – e outra, irregular – melhor. Sempre que modifica um verbo, usa-se a forma irregular melhor: Comemos bem hoje, mas ontem comemos melhor.
Sempre que modifica um adjetivo, usa-se a forma regular analítica mais bem: “A equipa A ficou mais bem classificada do que a equipa B”.
8 – Porque é que a palavra cessão não está relacionada com o verbo cessar?
Porque o nome cessão designa o ato de ceder, dar, conceder alguma coisa a alguém; é sinónimo de transferência, cedência. Por exemplo: “O testamento descrevia a cessão de vários terrenos aos herdeiros”.
O nome cessação, esse sim, designa o ato de cessar, terminar, suspender alguma coisa, por exemplo: “A cessação do seu contrato de trabalho fê-lo emigrar”.
9 – Porque devemos dizer “aonde vais?” e não “onde vais?”
Porque o advérbio aonde significa “a que lugar” e deve ser usado com verbos que exigem essa preposição, como é o caso do verbo ir: “Vou ao teatro, vou à praia”, logo: ”Aonde vais?”
10 – Porque é que devemos escrever “empresa sediada” e não “sedeada”?
Porque a palavra sediada provém do verbo sediar, que significa “estabelecer sede num determinado lugar”. Este verbo é formado a partir do nome sede + o sufixo –iar, presente em verbos como chefiar, presenciar, premiar.
A palavra sedeada, por sua vez, tem origem no verbo sedear, que significa “limpar objetos de ourivesaria com uma escova de sedas”. Tem na sua base o nome seda + o sufixo –ear, presente em verbos como cabecear, folhear, nortear. Ao contrário do primeiro sufixo, o sufixo –ear incorpora um valor de movimento. Por exemplo: “A minha aliança nunca foi sedeada.”