As regras da sociedade de consumo imediato e da descartabilidade parecem estar a contagiar as relações amorosas.
Cada vez ouço mais pessoas dizerem que por mais que procurem não encontram o tal “modelo” de companheiro que seja assim, e assim, e assim, e assim, e ainda, assim!
Enquanto as ouço, sou transportada para uma, dos milhares de lojas de telemóveis espalhados pelo País (quase uma praga!”), e começo a observá-las: entram na loja, começam a ver atentamente todos os modelos de telemóveis, depois tiram uma senha, esperam a sua vez, afirmam que gostaram de duas ou três marcas, perguntam ao funcionário se se trata do último modelo, quais as caraterísticas e funcionalidades de cada marca, quantas horas a bateria aguenta e, em quantas carrega, se não vai sair um novo modelo, se se consegue aceder às aplicações rapidamente, se tem uma câmara fotográfica “xpto” e por último, se existem pacotes de fidelização e por quanto tempo. E aqui é que começa a história e todo um conjunto de dificuldades ou “dores de cabeça” … quando voltamos ao terreno das relações amorosas.
Escolher um companheiro como se fosse um telemóvel, uma televisão ou um computador, muitos não têm qualquer problema, embora possam passar toda uma vida à procura do modelo de última geração que nunca mais sai, mas que tem a última tecnologia e é muito mais veloz, possibilitando responder rapidamente às mensagens nas redes sociais.
Alguns optam, conscientemente, por escolher “modelos” menos eficientes, para não ficarem sem telemóvel durante muito tempo (ou sozinhos!), fugindo da fidelização a um determinado pacote, mas sempre a pensar, senão a sonhar, com o telemóvel dos seus sonhos e com o momento em que, ao virar de uma qualquer esquina, encontram finalmente um gigantesco outdoor… e, lá está ele: Aquele/aquela por quem sempre esperaram toda a sua vida!
Mas, entretanto, passou muito tempo, e eles nem o sentiram passar! Só quando percebem que precisam aproximar-se mais e mais, pois mesmo com óculos veem tudo desfocado, é que compreendem que a vida lhes passou à frente, que jamais a terão de novo, e que tudo não passou de uma ilusão.
Porque lhes dói as costas e já lhes custa muito andar, decidem ficar ali mesmo, sentar-se no chão e contemplar as três imagens que repetidamente passam no referido outdoor: a da sua vida que quase já passou, a do “telemóvel”, e a da sua criança interior que lhes pergunta: Porque é que em vez de um telemóvel não escolheste correr atrás de uma pessoa que gostasse verdadeiramente de ti e que agora te ajudasse a levantar, te abraçasse e, sorrindo, te desse a mão e os dois fossem passear por esse jardim-mundo fora?
Muito para além da escolha do telemóvel dos seus sonhos, as relações e especialmente, o compromisso, começam a ser perspetivadas como uma espécie de tormento, com muitos “loopings”, e em que mesmo com muitos cintos de segurança se pode dar um valente trambolhão.
Nunca vi tanta gente com medo de se entregar emocionalmente, de confiar no outro, de assumir um compromisso. A cena do “vamos ver o que dá”, depois de passados alguns meses ou até anos, faz-me lembrar o tal pacote de fidelização de dois anos das grandes empresas operadoras de telemóvel, ou mesmo, dos ginásios, que toda a gente evita e que só adere porque quer mesmo muito ter aquele telemóvel ou frequentar aquele ginásio que fica perto de casa.
Muitos sentem uma espécie de urticária pelo corpo todo e não há anti-histamínico que funcione. Por detrás, muitas razões. Talvez não tenham recebido o Amor que precisavam, talvez ninguém tenha visto o enorme amor que tinham para dar, talvez tudo isso aliado a umas quantas más experiências e à lavagem cerebral que a sociedade em que todos nós estamos inseridos nos tenta fazer, com bombardeamentos sucessivos de informação e publicidade, fomentando comportamentos consumistas, fazendo crer que o Amor, a amizade e a felicidade se encontram dentro do capot de um carro, de um perfume ou numa qualquer viagem a um paraíso do outro lado do mundo. Mentiras e mais mentiras!
A epidemia anti compromisso amoroso está a alastrar cada vez mais no nosso País. A ilusão de encontrar o “tal” ou a “tal” entranha-se na mentalidade até à medula, a procura pode tornar-se uma obsessividade, e a cada novo encontro a pergunta é invariavelmente a mesma: “será que é desta?”.
No entanto, uma palavra, uma afirmação, um qualquer gesto ou comportamento que não corresponda ao idealizado “último modelo”, pode colocar tudo em causa, e fazer despoletar de novo a procura, um verdadeiro duelo entre feitiço e feiticeiro que poderá conduzir a mais triste e amarga carência e solidão.
Esqueça os telemóveis de última geração, esqueça os pacotes de fidelização, esqueça a sociedade da imagem e do consumo. Proteja a sua sanidade mental. Transforme-se não num agente, mas num observador daquilo que está a acontecer.
As pessoas não são telemóveis, as relações não são pacotes de fidelização, o Amor continua a ser o Amor.
Uma relação de confiança e respeito nada tem a ver com as cenas de violência psicológica, emocional e física que o querem fazer acreditar ser grandes histórias de Amor. Por detrás, uma monstruosa máquina de interesses económicos e lobbies, querendo moldar a sua mente e torná-lo o mais dependente possível dessa mesma engrenagem, e quanto menos pensar, melhor! E quanto mais se iludir, melhor! E quanto mais acreditar que a sua felicidade está nas coisas que tem, e naquilo que as pessoas que escolhe para ter na sua vida possuem, melhor!
E no meio disto tudo onde está o Amor verdadeiro, a entrega e o querer ter uma relação de compromisso?
Acha mesmo que alguém está preocupado com isso?
Muitos, teriam de tirar os olhos do seu “umbigo” e olhar para os outros como pessoas. O problema é que cada vez existem mais a olhar para baixo, e menos a olhar ao seu redor, e a conseguir ver os outros como pessoas, a sentir o que os outros sentem, a sentir Amor e gratidão por simplesmente estarem vivos.
Eu continuo a escrever e a acreditar que é possível ser diferente! Muito diferente! E você?
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