Confesso-me hesitante ao escrever sobre este tema. Não gosto do tema do assédio sexual. E sinto-me irritada por ainda ser preciso clarificar e explicar estes conceitos.
Por um lado, ainda há homens “confusos” e outros “pouco conscientes” do seu comportamento, e por outro lado, ainda há mulheres que sentem culpabilidade, outras que fingem que o assédio não aconteceu, e outras ainda pouco solidárias com as que foram vítimas do assédio. Maldita desigualdade.
O que é o assédio sexual?
É um conjunto de comportamentos indesejados, percecionados como abusivos, de natureza física, verbal ou não verbal, podendo incluir tentativas de contacto físico perturbador, pedidos de favores sexuais, chantagem e mesmo uso de força ou estratégias de coação da vontade da outra pessoa. O assédio sexual tem várias dimensões, desde insinuações sexuais (piadas ou comentários ofensivos de carácter sexual), atenção sexual não desejada (por exemplo, convites para encontros indesejados ou propostas indesejadas de natureza sexual através de telefonemas, e-mail, sms ou redes sociais), até aos contactos físicos não desejados (tocar, mexer, apalpar, beijar ou tentar beijar) e agressão ou tentativa de agressão sexual.
Em 2015 o Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG) levou a cabo um estudo muito relevante sobre “Assédio Sexual e Moral no local de trabalho em Portugal”* com uma amostra representativa da população portuguesa (1,801 sujeitos). Os resultados revelaram que este comportamento ainda persiste e que as vítimas são maioritariamente mulheres. Os homens assediam em mais de 80% e as mulheres também assediam mas, em cerca de 16%.
Segundo a Convenção de Istambul, o assédio sexual contra as mulheres é uma ofensa à dignidade humana, à autonomia, integridade pessoal e liberdade. É um símbolo da desigualdade e do estatuto social inferior das mulheres.
O que é o flirt?
O flirt é uma interacção que expressa uma insinuação de interesse pela pessoa, mas sem transgredir as regras relativas à distancia que é suposto manter, sem abuso, e sem ofensa. No flirt há uma preocupação e cuidado com o outro, no sentido de ser conveniente e adequado. No flirt há empatia, há o objectivo de fazer o outro sentir coisas, fazer o outro desejar e ao mesmo tempo sentir-se desejado. Tudo isto pode ser mais ou menos subtil. O flirt pode assumir diversas formas e manifestar-se de várias maneiras, desde um flirt mais brincalhão e descontraído, ou um flirt mais sério e educado. O flirt é uma coisa leve. O flirt é brincadeira, há uma troca divertida em que os dois se sentem bem. O assédio é forçar a vontade do outro. No flirt há igualdade e respeito pelo outro. O assédio acontece maioritariamente num contexto de desigualdade.
Que desigualdade é esta?
Quando falamos de assédio sexual estamos a falar de uma relação de poder e de um contexto de desigualdade.
No estudo do CIEG, em 2015, os autores – Anália Torres, Dália Costa, Helena Sant’Ana, Bernardo Coelho e Isabel Sousa – verificaram que a maioria das mulheres e homens vítimas de assédio sexual têm um vínculo laboral marcado pela precariedade e pela instabilidade. Os/as superiores hierárquicos/as e as chefias diretas são os principais autores das situações de assédio moral no local de trabalho em Portugal, alcançando 83,1% no caso dos homens e 82,2% no caso das mulheres.
Pode ler-se no documento do estudo do CIEG* acima citado que “o assédio sexual, é mais frequentemente da autoria de homens, sobre mulheres e sobre outros homens e afeta mais frequentemente mulheres – tratando-se de uma manifestação de domínio masculino e tornando o local de trabalho um lugar de reprodução de crenças e de práticas de discriminação de género prevalentes na sociedade portuguesa. Evidenciam-se assim as claras desigualdades de género, de poder e perante a sexualidade de que as mulheres são as principais vítimas.”
É preciso frisar que, a desigualdade de género em particular afecta muito mais as mulheres. Há maior precaridade profissional nas mulheres quer a nível da desigualdade salarial, quer em termos de vínculos contratuais precários. Um exemplo de uma demonstração pública contra esta desigualdade foi protagonizada pela actriz Patricia Arquette no seu discurso nos Óscares em 2015, em que ela reclama “igualdade salarial e direitos iguais para as mulheres nos Estados Unidos da América”. Outro exemplo impactante foi o discurso poderoso de Oprah Winfrey contra o abuso sexual, já em 2018 e também na cerimónia de entrega dos Óscares.
Combater o assédio sexual passa por combater a desigualdade. Por outro lado, a vítima não deve fazer de conta ou fingir que não aconteceu. Deve confrontar o assediador exigindo o respeito e denunciar a situação. Estamos a falar do respeito, como um dos valores mais importantes do ser humano. É o respeito pelo outro, seja este outro quem for, independentemente do género, sexo, etnia, estatuto social, posição hierárquica, orientação ou identidade sexual, cor da pele ou dos olhos. O outro é para respeitar, sempre. E a educação e socialização das crianças deve ser uma educação pela igualdade e baseada na alteridade e no respeito pelo outro, seja qual for a sua condição. Questionemo-nos: no meu papel de educador, no meu papel de pai e de mãe, estou preocupado em fazer isso e tenho feito isso com os meus filhos?