Borderline que em português carece de um significado preciso é um conceito anglo-saxónico que no “mundo psi” designa também vários significados. Como Perturbação da Personalidade define um estado clínico e uma estrutura da personalidade, o que se traduz por um lado em sintomas e comportamentos observáveis e por outro lado numa certa forma de ser e estar, em particular na relação com os outros.
Da clínica
Citando Arnold Lieber, um reconhecido autor nesta área, as pessoas com Perturbação Borderline da Personalidade apresentam uma emocionalidade intensa com reacções emocionais excessivas, extremas e frequentemente inapropriadas, impulsividade comportamental elevada e uma história de vida atribulada subjacente a relacionamentos sucessivos de grande instabilidade. Ao contrário e muitas vezes simultaneamente a esta voragem de intensa emocionalidade há um profundo sentimento de vazio, difícil de preencher que também se concretiza em angústia. Ambas, emocionalidade e vazio determinam uma dor psíquica vivida no corpo (dor de angústia) francamente intolerável, que muitas vezes só é mitigada e, por absurdo, por comportamentos auto-lesivos (cortes, queimaduras de cigarros), que no momento em que são efectuados não provocam dor física.
Uma pessoa com estas características ainda que inteligente, bonita, muitas vezes agradável e frequentemente sedutora, dificilmente consegue terminar uma tarefa, atingir um objectivo de vida e por isso realizar com sucesso uma carreira académica, manter um emprego e, acima de tudo, manter relações amorosas ou de amizade estáveis e continuadas ao longo da sua vida.
Da estrutura
A estrutura de uma personalidade é também particularmente definida por mecanismos de defesa psicológicos que, quando maduros (ditos normais/neuróticos na terminologia psicanalítica), permitem minimizar o sofrimento psicológico e manter a integridade da personalidade na sua relação com os outros.
Na Perturbação Borderline os mecanismos de defesa imaturos e próximos da psicose comportam-se verdadeiramente como mecanismos de agressão aos outros. Destes mecanismos de defesa destacam-se o processo de idealização/desidealização, no qual o outro passa de um momento para o outro de pessoa adorada a pessoa odiada, não havendo lugar a uma apreciação pensada e equilibrada.
Na clivagem a pessoa com Perturbação Borderline funciona num grupo separando os “bons” dos “maus”, dividindo o grupo e, por vezes, conseguindo virar uns contra os outros. No trabalho em equipa e nos grupos sociais em geral, a pessoa Borderline é a origem da perda de coesão e, quando identificada pelos outros como foco de divisão passa a ser a fonte do mal.
Finalmente na identificação projectiva a pessoa Bordeline num mais mecanismo complexo de projecção atribui ao outro e coloca no outro a intenção, a acção ou o sentimento que está dentro de si tentando ingloriamente expurgar a angústia que tais vivências e comportamentos a fazem sentir.
O resultado da idealização/desidealização, da clivagem e da identificação projectiva é a rejeição dos outros ainda que estes possam demorar a perceber estes mecanismos. No final a pessoa Borderline já rejeitada, até porque tudo fez para o ser, vai poder dizer “confirma-se agora aquilo que sempre te disse – tu nunca gostaste de mim”.
Dos comportamentos
Para quem sofre e faz sofrer, desenvolve-se uma dinâmica relacional, existencial e comportamental caótica e atribulada.
O vazio, emoções intensas e a angústia têm de ser preenchidas de alguma forma e por isso não se estranha:
- Uma vulnerabilidade maior para álcool e drogas ilícitas
- Promiscuidade e comportamentos de risco sexuais
- Auto-mutilações
- Bulimia e alterações do comportamento alimentar
- Comportamentos sociais com actos de grande teatralidade e apelativos
- Múltiplas tentativas de suicídio
- Risco aumentado para Hepatites (B e C) e SIDA
- Morte precoce
O tratamento deve ser de base psicoterapêutico com o auxílio farmacológico ajustado ao alívio sintomático de cada paciente. O prognóstico nas formas mais severas é naturalmente reservado.
Se é verdade que a Perturbação Bordeline é muito mais frequente na mulher, no homem é muito mais frequente a Perturbação Anti-Social da Personalidade. Provavelmente ambas no homem e na mulher são variantes da mesma alteração estrutural da personalidade.
Da origem pouco se sabe mas para alguns pacientes será a anomalia do temperamento mais importante e para outros será o desenvolvimento anómalo do carácter, o que indica mais uma vez como a interacção do que se herda (genes) e o que se constrói (ambiente), para mais ou para menos define cada pessoa singular.
O cérebro e o seu correlato mental, a mente e o seu correlato cerebral, ou os dois em conjunto, como se queira, consubstanciam uma variabilidade de personalidades que reproduz uma lei extraordinária da natureza – diversidade e singularidade.
Uma parte pequena dessa diversidade, agrupamos nós no “rótulo” Bordeline. Seguramente que é doença para quem sofre mas abstractamente será uma variante humana para quem olha à distância e teoriza.
Aqui está pois uma velha discussão na psiquiatria: serão as Perturbações da Personalidade doenças? Até hoje não encontrei uma resposta satisfatória.