Estamos em tempo de férias escolares período que coloca habitualmente um problema a muitas famílias com crianças, adolescentes e jovens: onde deixá-los e como ocupar o seu tempo.
Esta questão é relativamente recente e, apesar da tendência de generalização, ainda afecta sobretudo as famílias de áreas mais urbanas com estilos e condições de vida que influenciam negativamente a disponibilidade de tempo ou a motivação para ocupar os mais novos.
Assim, é também nestas zonas que tem vindo a emergir uma oferta de actividades diversificada e para diferentes bolsas envolvendo equipamentos e espaços sofisticadíssimos, com designações curiosas que, para além de ocupar as crianças, ainda se propõem contribuir para que acedam a níveis extraordinários de desenvolvimento e competências nas mais variadas áreas, pois os miúdos de hoje têm de ser fantásticos e excelentes em tudo.
Quando eu era gaiato, antes do desenvolvimento ter tapado as quintas da zona onde morava com prédios deixando como espaço livre o alcatrão, a oferta para os miúdos era basicamente constituída pelo mais acessível e barato dos equipamentos: a rua. Como os estilos de vida ainda não tinham alimentado a insegurança, quando não havia escola, claro, estávamos na rua.
As actividades não eram muito sofisticadas nem fantásticas, não ficávamos assim muito excelentes, mas divertíamo-nos a sério, com calor, com frio, com chuva ou mesmo à noite em tempo de férias.
É verdade que alguns dos meus companheiros ainda foram “homens que nunca foram meninos” como lhes chamou Soeiro Pereira Gomes, desde muito cedo fizeram-se ao trabalho.
Mas ainda assim todos arranjávamos tempo para brincar, naquela época o tempo era mais barato e havia mais.
Nessa altura, as crianças ainda podiam apanhar chuva e mexer na terra, não conhecíamos as ameaçadoras bactérias, os nossos pais também ainda não eram excelentes e fantásticos.
Muitas das actividades eram, por assim dizer, sazonais, mais próprias de umas alturas do ano que de outras. Algumas delas seriam estranhíssimas e dariam vontade de rir às crianças de hoje mas eram o máximo, a sério.
Andar horas de bicicleta ou de arco e gancheta em exibição ou competição, realizar intermináveis jogos de futebol, muda aos cinco acaba aos dez, com bolas de cautchu adquiridas através dos rebuçados, jogar hóquei em patins, sem patins, com uma bola de matraquilhos “desviada” no café e com talos de couve com a curva adequada a servir de stick, são alguns exemplos.
Fazer tiro ao arco com arcos feitos a partir das varetas de guarda-chuvas velhos, passar horas nas diversas variantes dos jogos com berlindes, exercitar a corrida com o jogo da rolha, do lenço à barra, ou do toca e foge, experimentar a estratégia no jogar às escondidas ou a perícia nas corridas de caricas, eram outras das muitas coisas que fazíamos nos nossos tempos livres.
Nesse tempo havia tempo livre, os miúdos hoje quase não têm. Mas pretende-se, algumas vezes exige-se, que sejam fantásticos e excelentes. O problema é que às vezes não são e sofrem com isso.
Como muitas vezes afirmo é importante ouvir e entender as crianças e adolescentes. Dirão que brincar é a actividade mais séria que realizam. No brincar colocam tudo o que são e assenta o que virão a ser. Não, não estou a esquecer, antes pelo contrário, estou também a considerar a “seriedade” das actividades escolares.
Era bom que as férias fossem, tanto quanto consigamos, isso mesmo, férias, tranquilas e com rotinas diferentes. E se com a necessária precaução devolvêssemos a rua aos miúdos? É impossível?
De qualquer forma, boas férias para os mais pequenos e também para os mais crescidos.
(Texto escrito de acordo com a antiga ortografia)