A vitamina D tem duas fontes possíveis no organismo: a ingestão de alimentos tipo lacticínios ou a síntese através da acção da luz solar na pele. O papel fisiológico central da vitamina D é no metabolismo dos ossos, promovendo a sua mineralização, pelo que é utilizada por exemplo na prevenção da osteoporose.
Recentemente vieram a público notícias sobre uma subida muito significativa do consumo de vitamina D entre nós. A notícia adiantava: “…encargos com a prescrição de vitamina D quintuplicaram em dois anos, passando de € 1,1 milhões para 5,7 milhões, entre medicamentos com e sem compartipação. A despesa para o Serviço Nacional de Saúde passou de 779 mil euros para 2,1 milhões.” e finalizava com “De acordo com a SIC, foi publicitado um estudo que dá como certo que a maioria dos portugueses têm falta de vitamina D. No entanto, um outro estudo feito com as mesmas pessoas e com kits diferentes dá outros resultados. Esta discrepância, para as autoridades da Saúde, “justifica uma avaliação profunda e esclarecedora”.
Perante isto, parece ser útil responder a duas perguntas: 1) haverá de facto uma deficiência generalizada em vitamina D em Portugal? e 2) qual o papel da suplementação desta vitamina como medida preventiva de doença?
A resposta à primeira pergunta parece ser negativa, devido ao facto dos níveis séricos definidos na maior parte dos casos como sendo os mínimos serem de facto o limite superior da normalidade (e, a serem accionados, significariam que 98 em cada 100 pessoas necessitaria de suplementação crónica!)[1]. Junta-se a isto o problema da consistência do doseamento sérico de vitamina D ser problemático, com múltiplos testes apresentando variações entre si que chegam a ser de 10-20% dos resultados. Portanto, em termos da população em geral, não parece ser possível afirmar a existência de hipovitaminose D generalizada.
Quanto à resposta à segunda pergunta, utilizando os resultados de revisões sistemáticas de ensaios clínicos analisando o impacto da vitamina D na incidência (novos casos) de doenças cardiovasculares, cancro, diabetes, doença pulmonar obstrutiva crónica (e outras), a suplementação com vitamina D parece não ter impacto positivo. A melhor fonte de informação para analisar o benefício da tomada crónica de vitamina D vem de uma revisão de revisões sistemáticas (que é uma revisão não de ensaios clínicos, mas sim de revisões sistemáticas analisando a mesma intervenção terapêutica, o que a faz mais ainda mais abrangente do que as revisões sistemáticas individuais que a compõem)[2]. Este estudo incluiu 107 revisões sistemáticas de literatura e 74 meta-análises (análises estatísticas específicas) de estudos observacionais com concentrações plasmáticas de vitamina D, assim como 87 meta-análises de ensaios clínicos aleatorizados com suplementação de vitamina D. Os autores concluem que toda esta evidência científica apresenta resultados inconsistentes em termos de benefício e que, portanto, não podem suportar recomendações universais para administração de vitamina D em doenças crónicas.
Alertamos para o facto de estes dados científicos se aplicarem a populações em prevenção primária (sem doenças). O papel da suplementação vitamínica D pode ser diferente em grupos de doentes com patologias crónicas pré-existentes, ou com características específicas (por exemplo doentes institucionalizados).
NOTA: as afirmações contidas neste texto não representam a opinião pessoal do autor, antes provêm da sua interpretação de estudos de alta qualidade, seleccionados pela sua relevância e rigor metodológico, numa hierarquia previamente definida de prova científica de suporte à decisão clínica/epidemiológica.
[1] New Engl J Med 2016;375:1817-20
[2] BMJ 2014;348:g2035 doi: 10.1136/bmj.g2035